terça-feira, 29 de setembro de 2009

Retirado


Retirado




Não há mais sonhos
Vontades ou desejos
A muito perambula por essas ruas.
A esperança morreu na última esquina.
A fome passeia
Admirando os arranha-céus
Arrastando um papelão
E a dignidade
Pra descansar seu cansaço
Na saudade fria
Do chão sujo
De uma marquise qualquer.
A sua identidade
Se foi na última chacina
Que o descaso promoveu.
Vaga agora
Uma fome sem alma
De olhar vazio
Que carrega consigo uma bolsinha
Bem escondida
Última lembrança da vida
Devidamente guardada
Protegida da insondável noite fria
Está uma palavra
Num papelzinho amassado
Que resume a sua tristeza
Que lhe faz bater os dentes
No seu inverno sem fogueira, calor ou cobertor:
TERRA.
Ninguém notou que a fome passou
Frio e morreu.




Adriana Kairos

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Minha noite




Minha noite

No escuro abro meus olhos
Para ver as cores
Que a luz não tem.

À sombra que assombra
A assombração dos meus medos
Deixo acessa
A luz do corredor
A claridade dará um jeito nela.

Cretina!
Maldita luz que
Escondeu o meu silêncio
Expondo o grito que me cala
No verso que me corrompe
Escondida
Embaixo da escada.

Fico perdida entre
O despertar precioso
E o sonhar doloroso
Dentre as coisas proibidas
Desse mundo de breus insondáveis
Invadido de pontos em cores
Quando, assustada
Fecho os olhos
A me esconder mais uma vez

São estrelas da minha cena
Por trás da cortina negra da noite
Ocultadas na coxia dos meus delírios
A tragicomédia da minha escuridão.
O espetáculo dos horrores
Da minha noite,
Da minha inércia,
A minha solidão.


Adriana Kairos

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Memórias de uma mosquita


Memórias de uma mosquita




Criança má, mimada e sem coração. Apanhou-me num copo ainda sujo de geléia e sorria ao me ver sem ar. Como se não bastasse a asfixia arrancou uma de minhas asinhas. “Já não voas mais”. – me disse sem dor nos olhos. Sem arrependimento. Sem compaixão. Pus-me, então, a caminhar. Desprovida de parte do que mais amava. A imensidão de sonhar.

Ganhei o chão. Fortaleci minhas pernas e mente alimentando ilusão. Subi até o alto daquela dália. De lá, a brisa, minha velha companheira, convidou-me a um passeio. Respirei fundo. Abri o peito. Saltei. Zum!

Besouro, primo distante, sacou-me do ar “antes da queda” – disse ele. Deixando-me na segurança do tronco da laranjeira de um outro quintal. Como fiquei zangada. “Era a minha chance”. – lhe disse. Ele meneou a cabeça e seguiu o seu vôo.

Me desesperei por um instante, mas logo pus-me a escalar a velha árvore dos frutos doces. E assim fui subindo, devagar, até o alto do galho mais alto e da ponta da última folha me atirei. Zum!

Chorei quando abri os olhos e percebi que estava nas costas do pardal. “Vou te deixar no alto daquele monte. Lá estarás segura”. – me disse com um sorriso simpático de herói desavisado. Afinal, de que ou de quem querem me proteger? De mim?

Que lindo monte era aquele. Coberto de lindos, brancos e suaves dentes-de-leão. E mais uma vez a brisa, amiga velha, me ajudou. Arranquei duas daquelas fofas flores e as amarrei a cintura. Subi até o alto da pedra mais alta do tal monte e gritei a minha velha companheira: “-Vem brisa! Vem!” E usando como planadores os lindos, brancos e suaves dentes-de-leão voei.

Que sensação incrível é sentir o vento acarinhando o rosto. Só voando se vê o invisível e se é capaz de enxergar o bom oculto de quem nos feriu. Do alto os aromas se apuram e se distinguem. É mais fácil escolher o que nos faz bem. Mas sem uma de minhas asinhas fui caindo a cada despetalar das flores ao vento. Reconheci o meu destino. Acatei o meu final. De nada me arrependo. Estou feliz. Porque nada foi demasiadamente grande para me impedir de sonhar.




Adriana Kairos

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

ROBSON FRAGA disse:


Que sempre que eu estiver down consiga ser tão bom poeta
daqueles que sobre amores partidos
constroem vidas perfeitas
heróis sem guerra
e paraísos deitados sobre letras

Que na imensidão do meu mundo
encontre saídas para meus devaneios
auroras floridas
alvoradas ensolaradas
e sorrisos recíprocos
como os dos poetas
que cartografam minha alma!

Beijo Adriana, esses versos são pra ti.




Nesse mundo tão louco, em que encontrar um amigo é a coisa mais complicada e difícil de se fazer, confesso que me sinto privilegiada. Tenho bons amigos no "mundo real", pessoas extremamente importantes na minha vida e cada uma por um motivo diferente. Mas o "mundo virtual" também tem me dado adoráveis surpresas. Conheci pessoas MARAVILHOSAS através da frieza do teclado e da tela do computador que, no entanto, têm me surpreendido com o calor de suas palavras.

Hoje, decidi postar os versos que recebi do meu mais novo amigo "virtual-real", ROBSON FRAGA. Robson, além de um competente JORNALISTA, é um poeta fantástico.
Recomendo uma visitinha a seu blog: http://robsonfraga.blogspot.com
Robson, mais uma vez obrigada!
E gente, AMO VOCÊS!!!
bjks!!!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Hoje


Hoje

Hoje quero um cigarro
E algo forte pra beber.
Um choro bem tocado na guitarra
Um bom samba nas cordas
De um desafinado violino
Quero os absurdos cubistas
E a melancolia abstrata
De um Kandinsky qualquer.
Tudo diluído em três pedras de gelo
Num copo cheio de alomorfes
Decorado com uma grande rodela verde
De rima ão.

Hoje estou down.

Sob um oceano de pensamentos inóspitos
Quedo-me inerte
Para que não percebam minha presença
E me deixem ficar
Assim...
Paradinho...
Quase sem respirar.

De onde estou
Choro de alegria
Por uma partida de dominó vencida
Por um desconhecido amigo meu
E observo, curioso,
O rato que passou por mim
Miando Chico, apaixonadamente,
À poodle rosa bailarina de axé.

Estou mesmo sem rumo
Sem leme
Sem prumo
Nessa embarcação furada
Que tomei.

Embarquei em algum lugar
Num não sei onde
De um não-lugar
E naufraguei em meu mar de idéias
Tão inúteis
Quanto uma certeza qualquer.
Divagares e utopias
As preparei para um "Novo Mundo".
Thomas Mores se surpreenderia.

Agarrando-me em Rosas e Machados de salvação
Fui dar na mais linda praia
Sem mar que só Dali
Aqui faria.

Viagem noturna
Límpida aurora boreal
Boreando meus delírios
Colorindo meu sorriso ébrio,
Mecânico, cansado;
De se abrir sem reciprocidade
De não ver
De verdade
Aquilo que já vi
No mar das coisas minhas.

Lá vem, de novo, o tédio.

Hoje estou down.






Adriana Kairos

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector