quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Conversão


Conversão




Equilibrava, cegamente, uma insensata razão e uma beata loucura numa infame balança quebrada. Trabalho difícil para uma Têmis desequilibrada, falida e sem espada, suando ensangüentada com uma navalha na mão. Copo d’água meio vazio sobre a mesa. Prozac as dezenas na cabeça cheia. Voluntariamente vendada, desesperava-se com as brincadeiras sem graça de seus malditos análogos: o Caos e as Moiras; colocando pedras e entulhos embolados em mortais fios de vidas mortas, nos distintos lados de seus pratos. Sob a grotesca trilha sonora do titilar das tesouras Moiras, mortificava-se por não saber, ou por não querer saber, o que fazer para sair dali. Será a ignorância uma benção ou uma maldição? Indagava-se. Ora para cá ou para lá, sua balança movia-se num angustiante jogo sádico diante o nefasto olhar de Nix.
Caprichos de Zeus.
Anátema aos contestadores.

Pobre Têmis, párvoa, foi levada à corda-bamba para completar sua provação. “É necessário provar sua fé. – disse Zeus. Eis que te digo: Fidelidade não se conquista... Impõe-se!” Hum... Não lhes concederam indulgência. Aflita, acabou por arrancar a venda com uma das mãos, enquanto a outra, trêmula, tentava manter nivelada a ébria “Libra” infernal. Quando, por fim, viu o que carregava e buscava, ensandecida, conservar em harmonia, desesperançou. E as claras vacilou ao primeiro passo, do ponto mais alto do picadeiro, sacudindo a corda, chocalhando a balança, atiçando os monstrinhos que se formaram dos entulhos enovelados lançados por seus caros entes. Pesou demais.

Não obstante, tentou seguir em frente, contudo não suportou e deixou-se cair. Queda ou vôo livre? Depende do ponto de vista de quem vê. O fato é que cansou da “brincadeira”. Estendida no chão gotejou, por horas, quimeras e agruras até encolher-se como um grão. Abatido feto de Gaia. Rosa murcha em botão.

Desarmada e aos pés da Nêmisis, de Têmis brotaram raízes de tristeza profunda, enredando-a em seus mais medonhos e secretos sentimentos; ninando-a fizeram-na dormir. Em seu sono viajou a lugares onde a Dor não a conhecia. Nos braços de Morfeu pensou haver reencontrado sua alegre razão, risonha e vestida de uma luz fosca, mas elegante. Pena, não era a sua. Não era a dela a que vinha luzindo, seduzindo-a, oferecendo-se em meio ao ébano a aplacar-lhe a tristeza. Não. Têmis não a quis, pois a tal, ao se aproximar revelou-se Desilusão. Era ela quem vinha em graciosos e luzentes embaciados sorrisos. Morfeu também a traiu.

Despertou, então, da sua fuga ao som dos festejos de um Nume louco. Paramentou-se de nébrida, libertou os cabelos e os enfeitou com heras. Deu-os ao vento. Assumiu uma nova conversão. Algo que não lhe feria o ser. Algo mais leal e mais justo consigo. De salto quinze e meia arrastão espalha sua nova e lúdica alegria nas esquinas, no calçadão. Evoé! Agora é Baca.




Adriana Kairos

6 comentários:

Otelice disse...

Parabéns, Adriana.
Gostei bastante do teu espaço. Belo!
Obrigada pela tua presença, lá no meu cantinho.Será sempre bem vinda.
Um beijo no teu coração.

Unknown disse...

Querida, adorei teu blog! Sério, gostei de tudo! Beijos e bom fim de semana.

Mariano P. Sousa disse...

Ôi Adriana!
Muito bom passar aqui, teu espaço nos atrai a ler sempre um pouco mais!
Beijos!

Gledson Vinícius disse...

Ja estava com saudade de visitar os mapas da sua alma, minha bulsola tinha quebrado!!!!!!!

abraços!

www.poraodogv.blogspot.com
www.visaosuburbana.com

Fátima Venutti disse...

AFF!

Vim dar uma "passada" e fui "agarrada" por esse texto. Simplesmente muito bom. Deu até aquela "inveja-veder" conhece?

Adorei teu espaço.. Venho mais vezes..

AH.. Obrigada por sua visita em meu blog...
BEIJOS

Nilson Barcelli disse...

Excelente texto querida amiga.
Muito bem elaborado e com ritmo.
Parabéns pela sua criatividade.
Boa semana, beijo.

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector