“Com uma voz sem som descobri nas letras o grito que fala do que vê o coração e do que sente os olhos ante a injustiça, o preconceito, a desigualdade e o medo.” Adriana Kairos
terça-feira, 13 de abril de 2010
Chuvas de verão
Chuvas de verão
Na mesa era parca a comida
Mas nunca se viu tanto amor num só lugar.
Estendidas no varal roupas coloridas
E no telhado roupas brancas pra quarar.
Vieram do lixão alguns livros
Que adornavam a velha estante
Entre paninhos de crochê e bibelôs de vidro
O sonho de lê-los era constante.
Também tinha uma Bíblia aberta
Diziam que era pra proteger.
Mas como um livro aberto ampara
A quem não o pode ler?
Muita renda a dona tecia
Mas toda a renda ainda era pouca.
O marido cansado volta da lida
E da panela o alento, o cheirinho da sopa.
Os moleques limpinhos e buchudos
Corriam de pés no chão atrás do vira-lata
Estavam felizes os meninos
O pai trouxera balas e goiabada em lata.
No horário nobre se reunia a família
Diante da tevê cheia de chuviscos e fantasmas
A notícia da chuva que viria
Trouxe lhes o medo. Os assombrava.
A noite foi de vigília
A cada gota, uma parte da encosta descia
Quando lhes pediam pra sair resistiam
“Não temos pra onde ir”.Diziam.
No fundo sabiam o que os esperavam
Acalmavam as crianças quanto ao que poderia acontecer.
Os barracos vizinhos já desceram.
A esperança será a última a morrer.
Abraçados e com medo
Esperavam por uma providência divina.
Pediram até perdão pelo pecado
De haverem nascido assim tão desventurados.
Então numa grande avalanche
Os livros a Bíblia e a estante
O vira-lata, a tevê e a família.
Sucumbiram naquela noite que chovia.
E ao vivo noticiaram na tevê
Que aumenta a cada hora
O número de vítimas
E que amanhã ainda vai chover.
Adriana Kairos
(Este texto foi escrito à dois anos, e infelizmente, nunca foi tão atual como hoje. Sigo de LUTO pelas vítimas do Poder Público do meu ESTADO...)
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"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."
Clarice Lispector
5 comentários:
Querida amiga Adriana...
Sinto tanto !!!
Estou me sentindo mal com tudo que vejo acontecer.E sabemos que nada disto,que acontece, torna nossos governantes sensibilizados.
A única coisa que os vejo fazer é atribuir aos outros....sempre são os outros....
Estou me cansando de tanta vadiagem...
Continuarei pedindo ao nosso Deus, que ilumine o que restar na cabeça dessas pessoas tão insultadas pela vida,para que elas escolham alguém para governar, que realmente ame muito o que será eleito prá fazer.
Querida, seja minha portadora de carinho para meus irmãos em Cristo, que moram junto de você!!!
te amo muito e cada dia me orgulho mais em tê-la conhecido.
Nossa... Adriana, que emocionante!
A tragédia, é horrenda. Parece o fim do mundo. Para as vítimas e suas famílias, foi o fim do mundo.
Que Deus nos proteja!
Um grande abraço.
só resta ao poeta reeditar suas tragédias!
LUTO.
Que Deus conforte as famílias que sofrem suas perdas, aliviando a dor que é intensa.
Passei para lhe desejar uma ótima semana.
Um grande abraço, amiga.
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