“Com uma voz sem som descobri nas letras o grito que fala do que vê o coração e do que sente os olhos ante a injustiça, o preconceito, a desigualdade e o medo.” Adriana Kairos
domingo, 20 de junho de 2010
Depoimento
Depoimento
Eu vi quando aquela mulher saiu correndo, moço. Foi depois do tiroteio.
Desceu correndo descalça, tinha os olhos aperreados; eu não sabia o porquê.
Tava com um vestido de chita barata de florzinhas, tão alvinha. Ela chorava muito.
No fim da rua muita gente se amontoava pra ver. Os miolos do neguinho espalhados pelo chão e a dona descalça acariciando o seu rosto, colocando-o em seu colo como se o pusesse pra dormir. Acho que o seu choro foi ouvido por todo o morro. La Pieta.
No chão, lavados pelo sangue do moleque, uns cadernos e uma caderneta de escola.
Tinha muita gente indignada, diziam que era menino bom e que voltava da escola. Eu mesmo já tinha visto ele no "pacote" lá no mercadinho.
Eu vi tudo isso moço, mas não consegui chorar não. Isso foi meio-dia.
Só chorei a noite, na hora do jornal quando o repórter falou assim: "Ação da polícia mata menor envolvido com tráfico de drogas no morro..."
Porra moço, o neguinho era estudante... o moleque era estudante...
Adriana Kairos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."
Clarice Lispector
Um comentário:
"Não é o sofrimento das crianças que se torna revoltante em si mesmo, mas sim que nada justifica tal sofrimento ."
Abraço.
Postar um comentário