segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O tempo


O tempo


E o tempo parou na pedra-imagem...
Na escultura do artista
A reflexão, incansável do homem
O tempo manifesta-se contemplação
Na pedra.
No mármore que reluz
Distraído a vida
Vida que segue em horas vãs
De um domingo de sol pálido
Refletidos no olhar
Um tic
A memória
Um passeio no museu
Trânsito na Brasil
Segunda-feira chuvosa
Sexta-feira custosa
Continua o tempo
Tac
Lembranças em flashes de saudades
Um sopro
Na poeira esquecida
Sob os móveis da casa
Certezas em frações de inseguranças
Institui efemeridades eternas
De um tempo que pára na imagem
Da imagem petrificada
Que o tempo
Ou o vento
Não leva.


Adriana Kairos

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Apartamento 302


Apartamento 302




“Ele era um bom vizinho...” foi o que disseram a polícia os condôminos, do prédio na Barata Ribeiro, a respeito de Seu Inácio do 302. “Pobre homem”. Diziam alguns. “A sua vida era aquela neta.”

Depois de uma denúncia feita por vizinhos que ouviram barulhos, como os de luta, vindo do apartamento do pobre senhor, a polícia chegou ao local e flagrou Denílson, o porteiro do prédio, com uma pistola prateada na mão, os olhos em mares e uma cara de “não fui eu...” Sobre a mesinha da sala, com a cabeça inclinada para um lado, expondo o buraco do balaço que tomou na testa, o velho Inácio. Ele ficou estendido ali até a chegada da, altamente preparada, perícia da polícia carioca, com uma toalha branca sobre a grande bunda velha e decorando as paredes, seu sangue esguichado por toda parte. Na cena também estava Marcela, a neta do velho, com os olhos arregalados e estranhamente perdidos; trêmula e fria vestida numa camisolinha branca transparente e sem calcinha. Considerada pelos policias a testemunha ocular, foi conduzida, por um deles, a ambulância em estado de choque, para receber os primeiros atendimentos. Ficou internada, neste estado, até a condenação do porteiro, que não demorou muito a acontecer.

O acusado, um jovem rapaz, vindo de Tabuleiro, zona da mata mineira, era a própria servidão. Fazia pequenos serviços de bem feitorias a todos do prédio como forma de ganhar mais alguns trocados para enviar a sua mãe no interior. Gentil e educado apesar de “pavio curto” – diziam. Denílson falava o que lhe vinha à cabeça e não conhecia o maior defeito do morador do 302, a avareza. Seu Inácio, apesar de ser muito rico gostava de morar naquela pequena, mas confortável quitinete. Dizia que era mais econômico mantê-la. Além do mais, não costumava pagar a seus prestadores de serviço. Por conta disso, acumulava diversos processos, no entanto não os fazia conta. Denílson fez alguns serviços ao velho e a mais de três meses cobrava seu salário ao morador do 302 que sempre lhe ria na cara e virava-lhe a costa. “Devo não nego. Pagarei quando puder.”- debochava o avarento. O rapaz passou a reclamar a todos os condôminos, contando-lhes que o seu Inácio havia lhe dado um calote. Na quarta-feira, véspera do crime, depois de um telefonema que recebera, danou a gritar aos quatro ventos a todos que quisessem ou não ouvir, num tom carregado de fúria e um certo desespero, que mataria o velho se ele não lhe pagasse até quinta-feira. Muitos não acreditavam que ele fosse capaz, pois todos já haviam notado o sentimento que amanhava pela neta do tal senhor. Se ela alguma vez o correspondeu ninguém sabe, mas que era perceptível o seu diferenciado carinho àquela moradora, isso era...

A árdua investigação da polícia, baseada nos frágeis testemunhos dos condôminos que revelaram as autoridades que o jovem porteiro havia dito aos quatro ventos a véspera do crime, aliadas a confissão, voluntariamente, cedida pelo acusado após um agradável interrogatório, foi o suficiente para a conclusão do inquérito. Denílson, visivelmente lecionado, falou até a imprensa sensacionalista da sua culpa. “Escrachado” contou que fez o que fez por raiva. Porque, segundo o porteiro, o velho sabia que sua mãe está doente em Minas e ainda assim, ele não quis pagar seus cento e cinqüenta reais por uma série de bem feitorias que prestou em seu apartamento.

A testemunha ocular quedou-se muda. Por orientação médica alegou ter vivido um trauma imenso, por isso a jovem estudante, assim informou a imprensa, não foi ouvida pela polícia, tão pouco o material colhido pela perícia foi usado no processo, mas isso não era problema o culpado havia gentilmente confessado e sua prisão feita em tempo record.

A moça que fora acolhida pelo velho Inácio, das ruas do Centro, nas proximidades da Vila Mimosa, morava com o mesquinho senhor sem que ninguém desconfiasse de sua real origem. Cumpriu bem o papel de neta querida. Passou até a estudar para não levantarem suspeitas. Após a morte de seu protetor, Marcela herdou toda a fortuna do velho que fizera, oportunadamente, seu testamento um dia antes de sua morte infeliz. Ela permaneceu em choque. Muda por alguns anos no apartamento 302 da Barata Ribeiro.

Denílson foi condenado, preso e levado para Bangu I. Três anos depois foi morto a facadas por outros detentos em uma rebelião. A família, pobre, não pode viajar para cuidar de seu funeral. Foi posto em cova rasa. Enterrado como indigente. Marcela também soube da notícia pelo mesmo policial que a levara a ambulância no dia do crime. Este se tornou um grande amigo após todo aquele episódio, passando a freqüentar o apartamento 302 com o pretexto de levar apoio psicológico. Ao desligar o telefone, respirou fundo, acendeu um cigarro, abriu um sorriso cínico e deu “adeus” ao porteiro otário.





Adriana Kairos

domingo, 6 de dezembro de 2009

(COM)PAIXÃO


(COM)PAIXÃO



Uma entregou-se a emoção.
Outra cedeu à pressão.
Filho no ventre.
Não lhes concederam compaixão.



Adriana Kairos

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector