sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Rascunho de poesia


Rascunho de poesia



Sou rascunho de mim mesma
A poesia perfeita que imaginei
E não escrevi.
É que talvez, falte-me ainda:
A lírica, a épica...
Rabisquei...
Mas não ficou como eu quis.
Talvez só sejamos mesmo
Quem podemos ser.
Ser então,
O que esperavam que eu fosse.
Mas nem isso eu sou direito...
Fujo dos padrões.
Odeio o parnasiano.
Não tenho métrica, nem rimas.
Sou poesia em prosa
Ou só uma crônica mal compreendida
Não consigo classificar-me obra.
Passo os dias a rabiscar-me.
Relendo e refazendo meus versos
Como se fosse a primeira vez que os li.
Como se fosse a primeira vez que os poetizei.
Engavetando-me estrofes
Publicando-me em dias grises.
Criptando em mim signos novos.
Significando significantes diferentes
A meus escritos.
Sou a própria hipérbole.
Sou carta escrita a punho
Onde qualquer um pode ver
Que há mais rasuras em mim rascunho
Que perfeição em mim poesia.









Adriana Kairos

Vingança


Vingança




Acordou no chão. Entre cacos, entre rastos, entre sombras, entre ondas de desilusão. Maquiagem escura nos olhos, noite sombria sobrevivida, gosto de sangue na boca.

Levantou-se em dores novas e antigas, doídas num desagradável replay. Mais outra vez. Respirou fundo e decidiu: “Daqui pra frente será diferente.” Sacudiu a poeira e os cacos. Escondeu seus temores enxugando os olhos. Ergueu a cabeça, passou os dedos nos cabelos... “Ele não me tocará de novo!”

Foi a cozinha e ele estava lá. Sentado à mesa, “nada aconteceu...” destilava aquele olhar cínico.

Calada. Engolindo pelotas de sangue e de raiva, com dificuldade, chegou à bancada da pia. Não podia encará-lo. Doía-lhe mais se o fizesse. A faca já a esperava. Segurando-a com firmeza amolava-a na quina de mármore da pia. Com paciência, com ódio, com precisão, lançando sobre a lâmina toda a ira que os golpes sofridos a permitia lançar.

Viu seus olhos no metal, levemente apertados, como quem planeja algo ilícito e um sutil sorriso, molhado à represália, que refletia do seu, então, punhal.

Imaginou o que sentiria se fizesse e se ele sentiria se ela conseguisse. Pensou na sensação de alívio. Na lavada que sofreria sua alma. Na satisfação que lhe causaria cortá-lo, subjugá-lo, abatê-lo. “Maldito!”

A vingança perfeita que o medo a fez convergir ao frango congelado, que já suava frio, sobre a bancada.

O jantar foi servido pontualmente... Como sempre...




Adriana Kairos

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Chuvas de verão


Chuvas de verão



Na mesa era parca a comida
Mas nunca se viu tanto amor num só lugar.
Estendidas no varal roupas coloridas
E no telhado roupas brancas pra quarar.

Vieram do lixão alguns livros
Que adornavam a velha estante
Entre paninhos de crochê e bibelôs de vidro
O sonho de lê-los era constante.

Também tinha uma Bíblia aberta
Diziam que era pra proteger.
Mas como um livro aberto ampara
A quem não o pode ler?

Muita renda a dona tecia
Mas toda a renda ainda era pouca.
O marido cansado volta da lida
E da panela o alento, o cheirinho da sopa.

Os moleques limpinhos e buchudos
Corriam de pés no chão atrás do vira-lata
Estavam felizes os meninos
O pai trouxera balas e goiabada em lata.

No horário nobre se reunia a família
Diante da tevê cheia de chuviscos e fantasmas
A notícia da chuva que viria
Trouxe lhes o medo. Os assombrava.

A noite foi de vigília
A cada gota, uma parte da encosta descia
Quando lhes pediam pra sair resistiam
“Não temos pra onde ir”.Diziam.

No fundo sabiam o que os esperavam
Acalmavam as crianças quanto ao que poderia acontecer.
Os barracos vizinhos já desceram.
A esperança será a última a morrer.

Abraçados e com medo
Esperavam por uma providência divina.
Pediram até perdão pelo pecado
De haverem nascido assim tão desventurados.

Então numa grande avalanche
Os livros a Bíblia e a estante
O vira-lata, a tevê e a família.
Sucumbiram naquela noite que chovia.

E ao vivo noticiaram na tevê
Que aumenta a cada hora
O número de vítimas
E que amanhã ainda vai chover.







Adriana Kairos

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Menos é mais


Menos é mais



Queria ser menos...
Menos consciente.
Para não me aborrecer tanto
Com a impiedade
Dessa “boa gente Cristã”
Que não consegue amar ninguém
Tão pouco perdoar
Mas que passam os dias
A pedir o perdão de seus pecados
Amém.

Queria ser menos...
Menos romântica.
Para enxergar a beleza
Que os pseudo-s intelectuais
Vêem na miséria.
Conseguir enxergar o que há de belo
Nos fundos olhos amarelos
De um moleque qualquer de barriga seca
Que me implora trocados
Enquanto lancho na boa lanchonete.

Eu queria ser menos
Porque ser menos é mais...
Mais fácil de manipular.
Mais fácil para ignorar
A cara feia do descaso
Do abuso, do mau-trato...
Ao operário, a mulher, ao estudante, ao velho
Ente desse trabalhador
Que morre na fila, aguardando atendimento
De um médico que ele ajudou a formar.

Queria ser mais...
Ser racista
Para não me incomodar
Com as novas senzalas
Construídas em luxuosos apartamentos
Em ínfimos espaços
Que chamam: quarto de empregada
“Seu lugar é esse.”
“Sim, senhora...”

Queria ser mais “politicada”
Para aceitar
Que as melhores escolas e faculdades
Do meu país
Não são para todos
Que o “todos” do slogan só contemplam alguns
E que todos os outros que faltam não são ninguém.

...aceitar que
Os grilheiros são homens de bem
“Grandes produtores do progresso”.
E desenvolvimento da nação.”
“Vossa excelência...”

Ser mais infeliz...
Para assistir pela tevê
Os índios
Os Sem-terras
E os quilombolas...
Chamá-los, mesmo que do sofá,
De desocupados e depois dormir
O tão abençoado sono dos “justos”.
“Boa noite!”

Mas não consigo...
Ainda sonho...
Que um dia a Justiça será curada
De sua cegueira
E enfim, aprumará os pesos
De sua balança...
E que um mundo melhor é possível...
Meu Deus...
Eu ainda sonho...




Adriana Kairos

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O espelho



O espelho



O maldito espelho não guardou a imagem que ela identificava. Ele só refletia agora a sombra de alguém que ela não reconhece. Ainda assim, teimosa, continuou olhando e foi tomada pelo som escuro dos seus olhos. Queria encontrar-se; pois diziam que aquele reflexo era seu. Só não queria aceitar.

Ficou perdida em seus olhos por horas, tentando descobrir onde havia se perdido para refletir assim tão amargo olhar.

Xingou, esmurrou o espelho e se cortou. Ficou espalhada pelo chão procurando convencer-se de que os pedaços que estavam ali eram seus. Fazendo um esforço imenso para crer que aquela imagem era sua e que, a que antes identificava morreu.

O corte não lhe doeu mais que a imagem, que refletia borrada, manchando sonhos quase mortos de olhos antes vivos, luzentes, cheios de frescor. De atitudes tão libertas. Promessas. Acabou-se.





Adriana Kairos

Contato


Contato:


Email: adrianakairos@yahoo.com.br


Cel.: (55) (21) 9629-2954


Para pedir um dos livros entre em contato por este email ou telefone.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Uma tal de...


Uma tal de...

Adriana dos Santos da Silva, vulgo ADRIANA KAIROS, nascida no Complexo de Favelas da Maré – Rio de Janeiro, RJ, em 30/11/1975, é graduanda em Letras (Português/Espanhol) pela UFRJ. Bolsista PIBEX, atua no curso de extensão da PR5 (UFRJ), ministrando aulas de Espanhol no Curso Pré-vestibular Comunitário Samora Machel. Participa também do estágio (não-obrigatório) da Prefeitura do Rio de Janeiro inserida no Projeto Nenhum a Menos, ministrando aulas de reforço escolar em Língua Portuguesa. Profundamente interessada e comprometida com as questões que envolvem a América Latina, este semestre (2010.2) ingressou no Curso Sobre Política Latino-americana pela Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO-UERJ). Em 2009, a Editora Virtual Books publicou “Clarabóia”, livro de poesia e prosa, indicado pelo Instituto Hispano Luso Brasileiro de Escritores para concorrer ao Prêmio Camões, categoria Novos Autores, do Concurso Literário do Instituto Camões, de Portugal. Foi também premiada, pelo seu poema “Asas de Ícaro”, com a segunda colocação no X Concurso de Poesia Agostinho Gomes da cidade de Oliveira de Azeméis em Portugal. Além deste trabalho é co-autora do livro infantil “Os Segredos da Noite” (Adriana Kairos, Maria Izabel Chaves e Liliane Fernandes). Diversos outros textos seus já foram publicados em várias antologias e em sites na Internet, como também em seu blog (cartografianalma.blogspot.com). Organizadora das antologias “Marginal – contos de periferia” e “Poesia Suburbana” a ser lançadas no final de novembro (2010.2), a autora se debruça sobre a questão do fazer literário nos espaços populares e a sua ascensão, as culturas marginalizadas e o “bum” da cultura digital. Em 2008 foi homenageada pelo Instituto MV1 de Ensino por seu trabalho literário. Apaixonada por bolo de chocolate, é casada, tem 2 filhos e algumas dezenas de livros na prateleira (esperando-a) para serem lidos.

"Sou como você me vê: posso ser leve como a brisa, ou forte como uma ventania; depende de como e quando você me vê". (Clarice Lispector)

Gênesis


Gênesis

O blog Cartografia N’alma nasceu de uma necessidade alucinante de liberdade. Sonhei com um lugar sem restrições, no qual, todos os meus anseios criativos fossem extravasados sem reservas e que ganhassem asas e voassem sem medo por este Ciber espaço. Engendrei essa idéia e enfim, em maio de 2008 nasce o Cartografia.

É bem verdade que de tempos em tempos ponho roupa nova (layout) no “bichinho”, no entanto a essência libertaria do bloguinho permanece.

Não me considero coisa alguma, nem tampouco construí o blog só para divulgar meus simplórios escritos. Foi também um motivo, é verdade. Todavia, o Cartografia N’alma também nasceu da minha inquietante necessidade de trocar idéias, conhecer pessoas, falar sobre Literatura, Artes e afins e, principalmente, de confabular coisas novas e diferentes com essa Nova Geração de Escritores Virtuais, da qual me incluo.

Quero desejar a todos um excelente vôo e que todos se sintam livres e verdadeiramente à vontade para comentar, criticar, trocar e escrever aquilo que pensam. Não me importo de receber críticas, desde que construtivas. Sejam bem vindos ao meu ninho criativo. Embarquem em minhas oníricas asas e boa viagem! (risos)

Um forte e fraterno abraço!



Adriana Kairos

A pipa


A pipa

Do alto da laje mais alta do morro
O neguinho magrelo
De pés descalços
E short frouxo
Empina a pipa
Como se empinasse
A própria vida.

Dança com ela um funk
Entre fios de alta tensão.
Tensão...
Só a da dona “Creuza”
“Desce dessa laje moleque!”
“Vem comê!”
“Cualé?!”
O baile ainda não acabou.

Sorriso maior que o rosto,
Perninhas finas e cinzentas de poeira.
O short caindo
Mostra o cofrinho
Puxa o danado
Não pára o “dibico”
“Ah... ‘muleque’!!!”

A pipa leva aos céus os seus sonhos
O vento os sopra aos ouvidos de Deus
Se não tiver muito ocupado
Talvez ouça
O que o neguinho lançou ao azul.
Em cada fitilho da “rabiola” colorida
Pontas de esperança de não sabe o quê.

Quem sabe o neguinho só ria por rir...
Quem sabe seja só do poeta o devaneio...
E que na pipa não haja sonhos
Por isso cortada
Agora “avoada”
Estraçalhou-se nas mãos de outros
Chora neguinho.






Adriana Kairos

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector