domingo, 26 de julho de 2009

1968


1968




Ecos de sons surdos
Lágrimas secas
Salgadas
Amargas
Meus olhos em ataranto
Miscelânea pulsando
Mexendo
Revirando
Em mim
Fecho os olhos
Medo do escuro
Pontos coloridos brilham
Aqui dentro
Aonde guardo a solidão.
Traem-me as mãos
Tiritam
De um frio fino
Não há vozes
Mas gritos me assombram
Escondo-me de mim
Enfiando minha cabeça
Por entre o decote do vestido
Tapo os ouvidos
A tormenta
Atormenta-me o ventre
A voz entala na garganta
Passos se aproximam
Vem em minha direção
Não posso mais
Urino-me em pavor
Uma luz me invade
Desfaleço
Entrego o corpo
A alma é luz...




Adriana Kairos

terça-feira, 21 de julho de 2009

(Des)conhecidos


(Des)conhecidos




Quando ela entrou no ônibus, carregando aquele sincero sorriso cordial, nem percebeu que já havia deixado para trás uns vinte anos, uns vinte verões, uns vinte carnavais... E o tempo fora implacável. Também não notou que já não trazia o mesmo viço, que a gravidade havia se tornado uma inimiga e que o seu simpático riso a traiu, deixando frisos permanentes nos cantos dos olhos.

Assim também aconteceu com ele, um homem que estava no ônibus, desde o início da viajem. Distraído olhando a janela, em êxtase por causa do vento que vinha dela. O vento lhe causava uma sensação boa de liberdade, sacudindo os poucos fios que lhe restaram na fronte. Visual bem diferente ao de duas décadas atrás, quando se permitiu (ô rapaz sisudo) cair na folia, fazendo tudo o que podia e não podia só por diversão... Inventando uma alegria.


É engraçado como o tempo cronológico não condiz, para algumas pessoas, com o seu tempo interior. Para ela era assim. Em sua alma fresca ainda ouviam-se os tambores, a folia, os risos de um tempo que, para ela, não passou. As sensações daquela festa ainda lhe arrepiavam a pele.

Noites especiais. Três dias de loucura, da qual, ainda fomenta até hoje. Loucura que tatuou o seu ventre, mamou em seu seio e recebeu o seu nome. Só o seu nome...

A louca colombina nunca mais encontrou o seu pierrô. E como encontrar alguém a quem não se sabe o nome? Ela esqueceu de perguntar.

Ele, no entanto, nunca foi dado a loucuras. A única que cometeu deixou lhe um cheiro de lança-perfume, cores de confetes e a marca de um corpo que se movia como serpentina, em câmera lenta, sobre o seu. Ainda sonha com aquelas noites. E a culpa que carrega é a falta de um nome para a sua lembrança.

No ônibus, o único lugar vago era ao lado dele. Ela sentou-se naturalmente, segurando o ferro da cabeceira do banco a sua frente para apoiar-se ao sentar, evidenciando uma grossa aliança em sua mão esquerda. Deixando claro que apesar de o tempo ter parado, para ela, dentro; a vida seguiu o seu curso e o seu próprio tempo, fora.

Para ele também sucedeu assim. Embora sonhos e lembranças vivos, sua vida morta continuava sem sentido a passos lentos... Dura, sem cheiro ou sabor.

Uma curva mais fechada os aproximou. Uma breve troca de olhares e o inevitável...
“Essa senhora? Não, não pode ser!”
“É ele! Eu sei!”

Ele não tinha coragem de olhá-la mais uma vez. Afogou sua certeza na decepção de ver uma velha lembrança velha. Não olhou para não borrar a imagem que guardava nos sonhos. Não queria apagá-la e agora, restaurá-la diferente. Distraiu-se, de novo, com a janela.

Ela também não teve coragem de olhá-lo mais uma vez. Sentiu vergonha de si mesma por tê-lo reconhecido, por considerá-lo importante e por não saber como chamá-lo... Acomodou-se na cadeira olhando fixamente para frente, tentando esquecer a peça que o destino a pregou.

Sem olhá-la, ele pediu licença, desceu do ônibus e sumiu na multidão das ruas. Ela seguiu viajem, suspirando saudade e angústia em seu tempo particular.

Jamais tornaram a se encontrar. Esforçaram-se e conseguiram esquecer aquele casual encontro. Seguiram adiante como perfeitos desconhecidos.





Adriana Kairos

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Despedida


Despedida


Preciso beijá-la.
Quero que me beijes. – respondeu, ela, de algum lugar.
Tens que me perdoar. – suplicou.
Sabes que o perdôo. – sussurrou de lá.
Sou um estúpido! – perdeu o controle.
Fui uma tola! – analisou.
O que estou dizendo? – recobrou o tino.
O que está havendo? – pressentiu o mal.
Não temos mais chances... – constatou, ele.
Nunca mais o verei. – resignou-se gélida.
Abnegando a paixão.

Ele deixou-lhe ébrios cravos serenados de lágrimas
Em sua lápide fria.
Ela deixou-lhe serenas saudades
Fustigadas nos olhos chorosos
Represados de remorsos e solidão.



Adriana Kairos

domingo, 12 de julho de 2009

Inevitável


Inevitável


Carrasco de branco com luvas de borracha
Torturas medievais sob a cadeira
"Não esqueça de usar fio dental"



Adriana Kairos

sexta-feira, 10 de julho de 2009

RELEASE - ASSASSINOS (por Jana Lauxen)


Assassinos
Por Jana Lauxen

Reunir 20 contos policiais brasileiros em 60 dias.
Esta foi a proposta que Frodo Oliveira, escritor e editor da Editora Multifoco, fez para mim em meados de janeiro de 2009.
- Topa?
- Claro. Tamos aí.
Foi o que eu respondi.
É o que costumo responder, na emoção do momento, quando me perguntam se estou dentro de algum projeto muito bacana.
Porém logo depois, quando parei para pensar melhor, gelei: será que vai dar certo?
Será que eu arrumo 20 escritores talentosos e interessantes o suficiente para compor um livro realmente bacana?
Um pouco insegura, saí na caça deles.
Procurei aqui e ali, revirei a internet de cabeça para baixo e, cá está o resultado: Hélio Jorge Cordeiro, Daniele Barizon, Tiago Barbosa, Kinho Vaz, Jana Lisboa, Ronaldo Luiz Souza, Denise Ravizzoni, Afobório, Fabrício Romano, Raphael Montes, Luiz Calcagno Fettermann, Adriana Santos Silva, Valdeci Garcia, J. Miguel, Leandro Fonseca, Josué de Oliveira Mello, André Esteves, Dante Coslei, Oscar Bessi Filho e Sergio Chaves, reunidos na coletânea de contos policiais brasileiros Assassinos S/A.
Sim, meus amigos: deu certo.
Deu muito certo, aliás.
Com o lançamento marcado para o dia 4 de julho, na sede da Editora Multifoco (Avenida Mem de Sá, 126 – Lapa, Rio de Janeiro) o livro tem, além de qualidade literária, outros ingredientes tão importantes quanto, como individualidade, contemporaneidade e, abundantemente, engenhosidade.
Não leia imaginando repaginar tudo que, num passado não tão distante, foi escrito em matéria de contos policiais.
Os 20 autores deste livro não vivem mais o romantismo dos trens e dos detetives particulares vestindo capa e de lupa nas mãos.
Os tempos são outros, os crimes são outros, os assassinos são outros e os investigadores são outros.
Falo aqui de uma bela coletânea de histórias que, sem dúvidas, retrata com aterradora clareza o universo da literatura policial dos tempos de hoje.
Prepare-se para uma leitura ferina e envolvente.
Mas antes se certifique de que aquele barulho que você escutou na cozinha é realmente impressão sua.
Porque quando os Assassinos estão por todos os lugares, nunca se sabe.

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector