sexta-feira, 24 de abril de 2009

Tudo igual


Tudo igual



O silêncio e o seu som ensurdecedor
Na escuridão as cores mais fortes
Saem para bailar
A voz calada de um povo
A seca na transposição das águas
Velho Chico débil
Seus filhos mal instruídos
Não sabem o que fazer

A bondade cheia de más intenções
A vida enamora a morte
No sertão do meu país
“Dorme ‘calango’ do meu coração...”
Bons homens
Provedores da farinha nossa de todo dia
Foram eles
Quem o pôs para dormir


Aumentam as viúvas de maridos vivos
E os órfãos de pais distantes
Mais do mesmo
Do mesmo
Mais
Ano após ano
Tudo igual no “Maracá”
Na Paulista
Nas grandes capitais

Histórias repetidas
De seca, de fome e de morte.
Sonho de mudança nas metrópoles
Arranha-céus inatingíveis
Inalcançáveis
Sonhos plebeus
A novela repetiu-se em outro cenário.

A fome não mata o ‘calango’
O orgulho sim.
“Não vou voltar pior do que vim...”
Mais viúvas e órfãos
Mais.

Esperávamos a Reforma
O inaudito da direita
"Um dos nossos está lá!"
Gritamos confiantes
Não mais
Quem é ele?
É um dos deles?
Ou será que me engano?
Que o vermelho daquela estrela
Verteu-se rosa.
Com sutis diferenças
Acho que ainda podemos dizer
Tristemente
“Está tudo igual no Maracá...”
Na Paulista...
Nas grandes capitais...




Adriana Kairos

sábado, 11 de abril de 2009

Meio-dia na avenida


Meio-dia na avenida



Imensidão do céu
Vasto quente asfalto
Fome e malabaris diante do sinal.




Adriana Kairos

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Onírico


Onírico


Aqui dentro
É mais aprazível
Do que lá fora
Realidades inóspitas
Chamo de lar
Não aqui
Mas lá
Onde (nem) todos vêem
A cada esquina uma Etiópia
Onde se sobrevive de teimoso
Por desespero
Por misericórdia
Só me resta saber de quem?
Contudo, aqui não.
Ah... Não!
“Persistência da memória”
Dali não pintou o aqui
O meu aqui, de mundos afáveis.
Incontáveis, incontáveis, incontáveis...
E de boas fontes para beber
Onde o vento me conduz a viagens
Sem bagagens
Passaportes ou afins.
Onde o tempo derreteu-se num relógio
A vida passa em câmera lenta
“muchaca en la ventana”
Imensos jardins
Infinito anis
Licores e balas
E sonhos em cores e formas
Quase os toco
Quase os toco...
Pergunto-me se não é, aqui, o céu?
Existe o céu?
Ou só a presa que me volve
A presa de “ayer”?
A raia entre o lá e o cá
É o amanhecer
Passei a temer as luzes
Que me afastavam do insólito
Tomei remédios para dormir
Vivo, então, encantada.




Adriana Kairos

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector