segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O tempo


O tempo


E o tempo parou na pedra-imagem...
Na escultura do artista
A reflexão, incansável do homem
O tempo manifesta-se contemplação
Na pedra.
No mármore que reluz
Distraído a vida
Vida que segue em horas vãs
De um domingo de sol pálido
Refletidos no olhar
Um tic
A memória
Um passeio no museu
Trânsito na Brasil
Segunda-feira chuvosa
Sexta-feira custosa
Continua o tempo
Tac
Lembranças em flashes de saudades
Um sopro
Na poeira esquecida
Sob os móveis da casa
Certezas em frações de inseguranças
Institui efemeridades eternas
De um tempo que pára na imagem
Da imagem petrificada
Que o tempo
Ou o vento
Não leva.


Adriana Kairos

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Apartamento 302


Apartamento 302




“Ele era um bom vizinho...” foi o que disseram a polícia os condôminos, do prédio na Barata Ribeiro, a respeito de Seu Inácio do 302. “Pobre homem”. Diziam alguns. “A sua vida era aquela neta.”

Depois de uma denúncia feita por vizinhos que ouviram barulhos, como os de luta, vindo do apartamento do pobre senhor, a polícia chegou ao local e flagrou Denílson, o porteiro do prédio, com uma pistola prateada na mão, os olhos em mares e uma cara de “não fui eu...” Sobre a mesinha da sala, com a cabeça inclinada para um lado, expondo o buraco do balaço que tomou na testa, o velho Inácio. Ele ficou estendido ali até a chegada da, altamente preparada, perícia da polícia carioca, com uma toalha branca sobre a grande bunda velha e decorando as paredes, seu sangue esguichado por toda parte. Na cena também estava Marcela, a neta do velho, com os olhos arregalados e estranhamente perdidos; trêmula e fria vestida numa camisolinha branca transparente e sem calcinha. Considerada pelos policias a testemunha ocular, foi conduzida, por um deles, a ambulância em estado de choque, para receber os primeiros atendimentos. Ficou internada, neste estado, até a condenação do porteiro, que não demorou muito a acontecer.

O acusado, um jovem rapaz, vindo de Tabuleiro, zona da mata mineira, era a própria servidão. Fazia pequenos serviços de bem feitorias a todos do prédio como forma de ganhar mais alguns trocados para enviar a sua mãe no interior. Gentil e educado apesar de “pavio curto” – diziam. Denílson falava o que lhe vinha à cabeça e não conhecia o maior defeito do morador do 302, a avareza. Seu Inácio, apesar de ser muito rico gostava de morar naquela pequena, mas confortável quitinete. Dizia que era mais econômico mantê-la. Além do mais, não costumava pagar a seus prestadores de serviço. Por conta disso, acumulava diversos processos, no entanto não os fazia conta. Denílson fez alguns serviços ao velho e a mais de três meses cobrava seu salário ao morador do 302 que sempre lhe ria na cara e virava-lhe a costa. “Devo não nego. Pagarei quando puder.”- debochava o avarento. O rapaz passou a reclamar a todos os condôminos, contando-lhes que o seu Inácio havia lhe dado um calote. Na quarta-feira, véspera do crime, depois de um telefonema que recebera, danou a gritar aos quatro ventos a todos que quisessem ou não ouvir, num tom carregado de fúria e um certo desespero, que mataria o velho se ele não lhe pagasse até quinta-feira. Muitos não acreditavam que ele fosse capaz, pois todos já haviam notado o sentimento que amanhava pela neta do tal senhor. Se ela alguma vez o correspondeu ninguém sabe, mas que era perceptível o seu diferenciado carinho àquela moradora, isso era...

A árdua investigação da polícia, baseada nos frágeis testemunhos dos condôminos que revelaram as autoridades que o jovem porteiro havia dito aos quatro ventos a véspera do crime, aliadas a confissão, voluntariamente, cedida pelo acusado após um agradável interrogatório, foi o suficiente para a conclusão do inquérito. Denílson, visivelmente lecionado, falou até a imprensa sensacionalista da sua culpa. “Escrachado” contou que fez o que fez por raiva. Porque, segundo o porteiro, o velho sabia que sua mãe está doente em Minas e ainda assim, ele não quis pagar seus cento e cinqüenta reais por uma série de bem feitorias que prestou em seu apartamento.

A testemunha ocular quedou-se muda. Por orientação médica alegou ter vivido um trauma imenso, por isso a jovem estudante, assim informou a imprensa, não foi ouvida pela polícia, tão pouco o material colhido pela perícia foi usado no processo, mas isso não era problema o culpado havia gentilmente confessado e sua prisão feita em tempo record.

A moça que fora acolhida pelo velho Inácio, das ruas do Centro, nas proximidades da Vila Mimosa, morava com o mesquinho senhor sem que ninguém desconfiasse de sua real origem. Cumpriu bem o papel de neta querida. Passou até a estudar para não levantarem suspeitas. Após a morte de seu protetor, Marcela herdou toda a fortuna do velho que fizera, oportunadamente, seu testamento um dia antes de sua morte infeliz. Ela permaneceu em choque. Muda por alguns anos no apartamento 302 da Barata Ribeiro.

Denílson foi condenado, preso e levado para Bangu I. Três anos depois foi morto a facadas por outros detentos em uma rebelião. A família, pobre, não pode viajar para cuidar de seu funeral. Foi posto em cova rasa. Enterrado como indigente. Marcela também soube da notícia pelo mesmo policial que a levara a ambulância no dia do crime. Este se tornou um grande amigo após todo aquele episódio, passando a freqüentar o apartamento 302 com o pretexto de levar apoio psicológico. Ao desligar o telefone, respirou fundo, acendeu um cigarro, abriu um sorriso cínico e deu “adeus” ao porteiro otário.





Adriana Kairos

domingo, 6 de dezembro de 2009

(COM)PAIXÃO


(COM)PAIXÃO



Uma entregou-se a emoção.
Outra cedeu à pressão.
Filho no ventre.
Não lhes concederam compaixão.



Adriana Kairos

sábado, 28 de novembro de 2009

Canción para un niño en la calle


Canción para un niño en la calle

Mercedes Sosa con Calle 13
(Armando Tejada Gómez - Ángel Ritro)

A esta hora exactamente,
Hay un niño en la calle...
¡Hay un niño en la calle!

Es honra de los hombres proteger lo que crece,
Cuidar que no haya infancia dispersa por las calles,
Evitar que naufrague su corazón de barco,
Su increíble aventura de pan y chocolate
Poniéndole una estrella en el sitio del hambre.
De otro modo es inútil, de otro modo es absurdo
Ensayar en la tierra la alegría y el canto,
Porque de nada vale si hay un niño en la calle.

Todo los tóxicos de mi país
A mí me entran por la nariz
Lavo autos, limpio zapatos
Huelo pega y también huelo paco
Robo billeteras pero soy buena gente
Soy una sonrisa sin dientes
Lluvia sin techo, uña con tierra
Soy lo que sobro de la guerra
Un estómago vacío
Soy un golpe en la rodilla que se cura con el frío
El mejor guía turístico del arrabal
Por tres pesos te paseo por la capital
No necesito visa pa’ volar por el redondel
Porque yo juego con aviones de papel
Arroz con piedra, fango con vino
Y lo que me falta… me lo imagino

No debe andar el mundo con el amor descalzo
Enarbolando un diario como un ala en la mano
Trepándose a los trenes, canjeándonos la risa,
Golpeándonos el pecho con un ala cansada.
No debe andar la vida, recién nacida, a precio,
La niñez arriesgada a una estrecha ganancia
Porque entonces las manos son inútiles fardos
Y el corazón, apenas, una mala palabra.

Cuando cae la noche duermo despierto
Un ojo cerrado y el otro abierto
Por si los tigres me escupen un balazo
Mi vida es como un circo pero sin payasos
Voy caminando por la zanja
Haciendo malabares con cinco naranjas
Pidiendo plata a todos los que pueda
En una bicicleta de una sola rueda
Soy oxígeno para este continente
Soy lo que descuido el Presidente
No te asustes si tengo mal aliento
O si me ves sin camisa
Con las tetillas al viento
Yo soy un elemento más del paisaje

Los residuos de la calle son mi camuflaje
Como algo que existe, que parece de mentira
Algo sin vida, pero que respira

Pobre del que ha olvidado que hay un niño en la calle,
Que hay millones de niños que viven en la calle
Y multitud de niños que crecen en la calle.
Yo los veo apretando su corazón pequeño,
Mirándonos a todas con fábula en los ojos.
Un relámpago trunco les cruza la mirada,
Porque nadie protege esa vida que crece
Y el amor se ha perdido, como un niño en la calle.

A esta hora exactamente,
Hay un niño en la calle...
¡Hay un niño en la calle!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Alento


Alento

Preciso dormir
Para que com meus dedos
Toque a lua
E nela me esconder

Preciso dormir
Antes que amanheça
Antes que reverdeça
A impiedade dos que não me vêm

O dia tem me feito mal
O sol não se mostrou meu amigo
A injustiça invade meus olhos
No claro do dia
E na escuridão da noite também

A fome me atormenta
A qualquer hora do dia
O sol enegrece os olhos dos que passam...
Ninguém me vê...

Preciso dormir
Não sei se é inverno ou verão
Mas o frio das pessoas me congela
Minha boca muda pede pão
Meus olhos gritam por compaixão
E ninguém me vê.

Preciso de um cobertor esta noite
Procurei por um em toda parte
No entanto, para a indiferença
Não existe abrigo
Todos se tornam inimigos
Nessa pirâmide que nem aos pés cheguei

Preciso dormir
Porque neste instante
Nada mais me resta
Meu estômago pede o sono
E a mágica do sonhar
Com um mais justo
Amanhecer
Com um mais justo
Mais que imaginar



Adriana Kairos

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O diário


O diário


Virou mais uma página e assim seguiu, durante toda a sua vida, a virar outras mais. Como se esse movimento estúpido lhe trouxesse algum conforto. Como se esse ato, por desespero ou por encanto, lhe trouxesse um novo recomeçar. Abrir o livro. Lamber a ponta do dedo. Folhear, folhear, escrever, escrever, rasurar, e tornar a folhear. Labuta ou medo de voar? Estava tudo lá caprichosamente escrito à caneta tinteiro, minuciosamente anotado nas folhas cheirosas do seu diário.

Pouco sabia de si mesma, menos ainda do mundo ou de qualquer outra coisa. Só sabia do que ali estava. “Só sei que nada sei”. Sócrates, o mestre, ela declamava. O pouco que conhecia era do virar, pelo avesso, as páginas do seu inseparável diário. Páginas que antes deixara para trás, não muito distante, num momento, agora se tornavam norte, um guia. Seu Xamã de papel. Quando o medo, a tristeza ou a dúvida se lhes infundiam. Dessa forma redescobria vidas, vividas e sentidas, marcadas a cada página do seu “caderno de contar os dias”. Embora, por vezes, acreditar que poderia ter escrito melhor algumas delas, isso não a prendia a essa ou qualquer outra pouca ilusão, tão somente virava as páginas. Só alimentando a ilusão suprema de ser invulnerável enquanto folheia.

Certa vez, virou as páginas e seus olhos, traidores, borraram a tinta. Amassou o papel com a força da impotência do que “não há mais nada a fazer”. Por que chorar? Não as arrancou ou rasgou, apenas virou a página para escrever-se de novo. Para dar e receber nova chance. Carta branca. Folha branca de recomeçar. E de recomeço em recomeço conheceu e foi conhecida no balé das folhas e dos dias, em seu interior. Sua alma mesclou-se ao branco do porvir que nas cores intensas do que foi e na sensível aquarela do que agora é, misturou-se e bailou sob imagens e sons, cheiros e sensações que a caneta, velha companheira, teimava registrar.

E viveu virando páginas. Uma a uma se iam às páginas bailarinas. O movimento estúpido lhe era mesmo essencial. E quando, então, acabaram as folhas brancas do seu inseparável “caderno de contar os dias”, o fechou, carinhosamente, para, sorrindo, sob as asas dos anjos e sob o canto das Musas, tornar a escrever num outro lugar.


Adriana Kairos

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

CONVITE


Isto não é fantástico!? Aí está CLARABÓIA, o meu livro de estréia. Uma coletânea de poesias e mini-contos em que, dentre outros temas, tento retratar o olhar dos marginalizados de uma maneira poética e reflexiva. Chic no “úrtimo”, bem!!!



Ah! E como sou muuuuuuuiiiiito chic. Rsrs Claro que vai rolar lançamento. O evento acontecerá no próximo dia 7 de novembro, das 11h às 16h. Logo ali, no Centro Cultural Euclides da Cunha (ou Biblioteca do Cocotá, para os mais íntimos), no bairro do Cocotá (é claro... rsrs) – Ilha do Governador- RJ.



O endereço é: Praça Danaides s/n° ao lado do Parque Manuel Bandeira próximo as Barcas. Este dia de autógrafos promete! E eu garanto: haverá livros para todos! rsrs Isto não é fantástico!?


Milhões de beijos!!!



Adriana Kairos

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Prefácio de CLARABÓIA


Prefácio


Conheci Adriana K., em uma sala de aula, aluna se preparando para o exame vestibular. De grande curiosidade intelectual e não menor preocupação social, seus textos já àquela época apontavam para um caminho que está concretizado agora: Adriana é uma escritora! E de prosa e de verso!

Sua sensibilidade poética--também presente nos seus contos--está aqui, em Clarabóia, superiormente aguçada. E posta a serviço não de um "mundo caduco" nem de um "mundo futuro". Adriana está, como Drummond, “presa" ao tempo presente, aos homens presentes, à vida presente.

Clarabóia representa um grande e importante passo na caminhada literária de Adriana.
E, sem dúvida, é um belo presente para todos nós.

JJ Coelho

(JJ Coelho é professor [Literatura Portuguesa], mas antes de tudo é um grande amigo e um verdadeiro mestre para mim. A ele todo louvor mesmo!!!)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A mi lado




A mi lado


Estar a tu lado
Y no tocarte
Es como morir despacio
Lejo de aqui
Lejo de ti
A mi lado...

Oyendo tu voz
Lejana
Cercandome
Susurrandome
Acordandome la distancia
Inasequible
Que te pones de mi

Mi grito ahogado
Ultimo llanto del alma
Confiesa a ti
¡TE AMO! ¡TE QUIERO!
Pero, no oyes
Y jamás oirás a mis ojos

Moriré despacio
Feliz
Sin embargo contigo
Por siempre...
A mi lado.



Adriana Kairos

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Retirado


Retirado




Não há mais sonhos
Vontades ou desejos
A muito perambula por essas ruas.
A esperança morreu na última esquina.
A fome passeia
Admirando os arranha-céus
Arrastando um papelão
E a dignidade
Pra descansar seu cansaço
Na saudade fria
Do chão sujo
De uma marquise qualquer.
A sua identidade
Se foi na última chacina
Que o descaso promoveu.
Vaga agora
Uma fome sem alma
De olhar vazio
Que carrega consigo uma bolsinha
Bem escondida
Última lembrança da vida
Devidamente guardada
Protegida da insondável noite fria
Está uma palavra
Num papelzinho amassado
Que resume a sua tristeza
Que lhe faz bater os dentes
No seu inverno sem fogueira, calor ou cobertor:
TERRA.
Ninguém notou que a fome passou
Frio e morreu.




Adriana Kairos

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Minha noite




Minha noite

No escuro abro meus olhos
Para ver as cores
Que a luz não tem.

À sombra que assombra
A assombração dos meus medos
Deixo acessa
A luz do corredor
A claridade dará um jeito nela.

Cretina!
Maldita luz que
Escondeu o meu silêncio
Expondo o grito que me cala
No verso que me corrompe
Escondida
Embaixo da escada.

Fico perdida entre
O despertar precioso
E o sonhar doloroso
Dentre as coisas proibidas
Desse mundo de breus insondáveis
Invadido de pontos em cores
Quando, assustada
Fecho os olhos
A me esconder mais uma vez

São estrelas da minha cena
Por trás da cortina negra da noite
Ocultadas na coxia dos meus delírios
A tragicomédia da minha escuridão.
O espetáculo dos horrores
Da minha noite,
Da minha inércia,
A minha solidão.


Adriana Kairos

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Memórias de uma mosquita


Memórias de uma mosquita




Criança má, mimada e sem coração. Apanhou-me num copo ainda sujo de geléia e sorria ao me ver sem ar. Como se não bastasse a asfixia arrancou uma de minhas asinhas. “Já não voas mais”. – me disse sem dor nos olhos. Sem arrependimento. Sem compaixão. Pus-me, então, a caminhar. Desprovida de parte do que mais amava. A imensidão de sonhar.

Ganhei o chão. Fortaleci minhas pernas e mente alimentando ilusão. Subi até o alto daquela dália. De lá, a brisa, minha velha companheira, convidou-me a um passeio. Respirei fundo. Abri o peito. Saltei. Zum!

Besouro, primo distante, sacou-me do ar “antes da queda” – disse ele. Deixando-me na segurança do tronco da laranjeira de um outro quintal. Como fiquei zangada. “Era a minha chance”. – lhe disse. Ele meneou a cabeça e seguiu o seu vôo.

Me desesperei por um instante, mas logo pus-me a escalar a velha árvore dos frutos doces. E assim fui subindo, devagar, até o alto do galho mais alto e da ponta da última folha me atirei. Zum!

Chorei quando abri os olhos e percebi que estava nas costas do pardal. “Vou te deixar no alto daquele monte. Lá estarás segura”. – me disse com um sorriso simpático de herói desavisado. Afinal, de que ou de quem querem me proteger? De mim?

Que lindo monte era aquele. Coberto de lindos, brancos e suaves dentes-de-leão. E mais uma vez a brisa, amiga velha, me ajudou. Arranquei duas daquelas fofas flores e as amarrei a cintura. Subi até o alto da pedra mais alta do tal monte e gritei a minha velha companheira: “-Vem brisa! Vem!” E usando como planadores os lindos, brancos e suaves dentes-de-leão voei.

Que sensação incrível é sentir o vento acarinhando o rosto. Só voando se vê o invisível e se é capaz de enxergar o bom oculto de quem nos feriu. Do alto os aromas se apuram e se distinguem. É mais fácil escolher o que nos faz bem. Mas sem uma de minhas asinhas fui caindo a cada despetalar das flores ao vento. Reconheci o meu destino. Acatei o meu final. De nada me arrependo. Estou feliz. Porque nada foi demasiadamente grande para me impedir de sonhar.




Adriana Kairos

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

ROBSON FRAGA disse:


Que sempre que eu estiver down consiga ser tão bom poeta
daqueles que sobre amores partidos
constroem vidas perfeitas
heróis sem guerra
e paraísos deitados sobre letras

Que na imensidão do meu mundo
encontre saídas para meus devaneios
auroras floridas
alvoradas ensolaradas
e sorrisos recíprocos
como os dos poetas
que cartografam minha alma!

Beijo Adriana, esses versos são pra ti.




Nesse mundo tão louco, em que encontrar um amigo é a coisa mais complicada e difícil de se fazer, confesso que me sinto privilegiada. Tenho bons amigos no "mundo real", pessoas extremamente importantes na minha vida e cada uma por um motivo diferente. Mas o "mundo virtual" também tem me dado adoráveis surpresas. Conheci pessoas MARAVILHOSAS através da frieza do teclado e da tela do computador que, no entanto, têm me surpreendido com o calor de suas palavras.

Hoje, decidi postar os versos que recebi do meu mais novo amigo "virtual-real", ROBSON FRAGA. Robson, além de um competente JORNALISTA, é um poeta fantástico.
Recomendo uma visitinha a seu blog: http://robsonfraga.blogspot.com
Robson, mais uma vez obrigada!
E gente, AMO VOCÊS!!!
bjks!!!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Hoje


Hoje

Hoje quero um cigarro
E algo forte pra beber.
Um choro bem tocado na guitarra
Um bom samba nas cordas
De um desafinado violino
Quero os absurdos cubistas
E a melancolia abstrata
De um Kandinsky qualquer.
Tudo diluído em três pedras de gelo
Num copo cheio de alomorfes
Decorado com uma grande rodela verde
De rima ão.

Hoje estou down.

Sob um oceano de pensamentos inóspitos
Quedo-me inerte
Para que não percebam minha presença
E me deixem ficar
Assim...
Paradinho...
Quase sem respirar.

De onde estou
Choro de alegria
Por uma partida de dominó vencida
Por um desconhecido amigo meu
E observo, curioso,
O rato que passou por mim
Miando Chico, apaixonadamente,
À poodle rosa bailarina de axé.

Estou mesmo sem rumo
Sem leme
Sem prumo
Nessa embarcação furada
Que tomei.

Embarquei em algum lugar
Num não sei onde
De um não-lugar
E naufraguei em meu mar de idéias
Tão inúteis
Quanto uma certeza qualquer.
Divagares e utopias
As preparei para um "Novo Mundo".
Thomas Mores se surpreenderia.

Agarrando-me em Rosas e Machados de salvação
Fui dar na mais linda praia
Sem mar que só Dali
Aqui faria.

Viagem noturna
Límpida aurora boreal
Boreando meus delírios
Colorindo meu sorriso ébrio,
Mecânico, cansado;
De se abrir sem reciprocidade
De não ver
De verdade
Aquilo que já vi
No mar das coisas minhas.

Lá vem, de novo, o tédio.

Hoje estou down.






Adriana Kairos

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Conversão


Conversão




Equilibrava, cegamente, uma insensata razão e uma beata loucura numa infame balança quebrada. Trabalho difícil para uma Têmis desequilibrada, falida e sem espada, suando ensangüentada com uma navalha na mão. Copo d’água meio vazio sobre a mesa. Prozac as dezenas na cabeça cheia. Voluntariamente vendada, desesperava-se com as brincadeiras sem graça de seus malditos análogos: o Caos e as Moiras; colocando pedras e entulhos embolados em mortais fios de vidas mortas, nos distintos lados de seus pratos. Sob a grotesca trilha sonora do titilar das tesouras Moiras, mortificava-se por não saber, ou por não querer saber, o que fazer para sair dali. Será a ignorância uma benção ou uma maldição? Indagava-se. Ora para cá ou para lá, sua balança movia-se num angustiante jogo sádico diante o nefasto olhar de Nix.
Caprichos de Zeus.
Anátema aos contestadores.

Pobre Têmis, párvoa, foi levada à corda-bamba para completar sua provação. “É necessário provar sua fé. – disse Zeus. Eis que te digo: Fidelidade não se conquista... Impõe-se!” Hum... Não lhes concederam indulgência. Aflita, acabou por arrancar a venda com uma das mãos, enquanto a outra, trêmula, tentava manter nivelada a ébria “Libra” infernal. Quando, por fim, viu o que carregava e buscava, ensandecida, conservar em harmonia, desesperançou. E as claras vacilou ao primeiro passo, do ponto mais alto do picadeiro, sacudindo a corda, chocalhando a balança, atiçando os monstrinhos que se formaram dos entulhos enovelados lançados por seus caros entes. Pesou demais.

Não obstante, tentou seguir em frente, contudo não suportou e deixou-se cair. Queda ou vôo livre? Depende do ponto de vista de quem vê. O fato é que cansou da “brincadeira”. Estendida no chão gotejou, por horas, quimeras e agruras até encolher-se como um grão. Abatido feto de Gaia. Rosa murcha em botão.

Desarmada e aos pés da Nêmisis, de Têmis brotaram raízes de tristeza profunda, enredando-a em seus mais medonhos e secretos sentimentos; ninando-a fizeram-na dormir. Em seu sono viajou a lugares onde a Dor não a conhecia. Nos braços de Morfeu pensou haver reencontrado sua alegre razão, risonha e vestida de uma luz fosca, mas elegante. Pena, não era a sua. Não era a dela a que vinha luzindo, seduzindo-a, oferecendo-se em meio ao ébano a aplacar-lhe a tristeza. Não. Têmis não a quis, pois a tal, ao se aproximar revelou-se Desilusão. Era ela quem vinha em graciosos e luzentes embaciados sorrisos. Morfeu também a traiu.

Despertou, então, da sua fuga ao som dos festejos de um Nume louco. Paramentou-se de nébrida, libertou os cabelos e os enfeitou com heras. Deu-os ao vento. Assumiu uma nova conversão. Algo que não lhe feria o ser. Algo mais leal e mais justo consigo. De salto quinze e meia arrastão espalha sua nova e lúdica alegria nas esquinas, no calçadão. Evoé! Agora é Baca.




Adriana Kairos

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A puta que pariu


A puta que pariu


Esqueceu-se
Em meio copo d’água sobre a mesa
Quando um choro estridente
Manhoso
Tirou-lhe a sede
Dando lhe só a certeza do dever de estar lá
Acudindo ao que chora
Ninando o que lhe pede
Sua coragem como alimento.

Esqueceu-se
Em desalinhados cabelos
Quando num banho rápido
Passou batido o condicionador
“Pois não há tempo para tal futilidade”
Atrasada para a reunião de pais
Folhinhas de papel rabiscadas
Valem mais que qualquer Monet.
Arte arquivada em envelope pardo
Revistada, sempre, a cada saudade.

Esqueceu-se
Em noites longas de ansiedade
Mal dormidas
“Coisas da idade”
Segurando cabeças
Nos primeiros porres.
Esqueceu-se
No tempo
No vento
Na vida que viveu
Por eles.

De tanto esquecer-se
Foi esquecida
Anos depois,
Em uma casa de repouso
Aguardando a visita que não vem
Lendo cartas antigas com fingidas saudades
Dos filhos dos filhos que pariu
Molhando o rosto com indagações irracionais
Pois, em nada errou a velha puta.
A não ser em amar demais.





Adrinana Kairos

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Primeiro beijo


Primeiro beijo


Não sei como abrir os olhos.
E por que deveria?
Se o melhor que vivi
Nestes meus
Treze anos de existência
Deu-se no breu
Do céu
Da sua boca.

Não sei como te olhar
Depois que a mágica acabar
E por que acabaria?
Se me encanta o feitiço
Que me seduziu.
Fui lançada a boca do sapo
Que bom!
Virou príncipe.

Divago enquanto te beijo.
Divago enquanto espero
Seus olhos beijarem os meus.



Adriana Kairos

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O menino voador


O menino voador


Atirou-se do alto daquele girassol
Em suave e vertiginoso vôo.
Abriu o peito para planar
E as mãos em conchas a moedar
Dançando por entre as correntes de brisas
Deixando-se levar
A seus delicados e sovinos sabores.
Céu azul
A retina cisma cinza.
Luz amarela do sol
No amarelo dos olhos do menino voador
No amarelo dos dentes
Da sede que racha a boca.
Amarela é a fome
Que teima lhe fustigar.
A cola amarela febre
Do pó, da pedra e do chão
Sopraram-no ao girassol
Do esconderijo perfeito.
Viadutar.

Voa, menino, voa!
Com seus olhos de achar
Liberdade e abrigo
Pois comida não há.

Voa, menino, voa!
Com seu olhos de despertar
A minha mediocridade, menino;
O meu não saber o que te dizer

Enquanto voas
Corro contra o tempo
Do meu bom relógio
E ele, apontando-me um braço cocho,
Trabalha contra mim.
O teu tempo é o agora,
Porque existem coisas
Que não se podem esperar.

Faço questão de não vê-lo planar
Não me interessam seus ares
Fecho o vidro
Atravesso a rua
Olho para outros céus
Azuis.
Não gosto de cinza.

Ignoro a vertigem da sua queda
Aquela anunciada por todos.
Manchete da tv
Que a todo momento
Vem mostrar
O miserável daqui.




Adriana Kairos

domingo, 26 de julho de 2009

1968


1968




Ecos de sons surdos
Lágrimas secas
Salgadas
Amargas
Meus olhos em ataranto
Miscelânea pulsando
Mexendo
Revirando
Em mim
Fecho os olhos
Medo do escuro
Pontos coloridos brilham
Aqui dentro
Aonde guardo a solidão.
Traem-me as mãos
Tiritam
De um frio fino
Não há vozes
Mas gritos me assombram
Escondo-me de mim
Enfiando minha cabeça
Por entre o decote do vestido
Tapo os ouvidos
A tormenta
Atormenta-me o ventre
A voz entala na garganta
Passos se aproximam
Vem em minha direção
Não posso mais
Urino-me em pavor
Uma luz me invade
Desfaleço
Entrego o corpo
A alma é luz...




Adriana Kairos

terça-feira, 21 de julho de 2009

(Des)conhecidos


(Des)conhecidos




Quando ela entrou no ônibus, carregando aquele sincero sorriso cordial, nem percebeu que já havia deixado para trás uns vinte anos, uns vinte verões, uns vinte carnavais... E o tempo fora implacável. Também não notou que já não trazia o mesmo viço, que a gravidade havia se tornado uma inimiga e que o seu simpático riso a traiu, deixando frisos permanentes nos cantos dos olhos.

Assim também aconteceu com ele, um homem que estava no ônibus, desde o início da viajem. Distraído olhando a janela, em êxtase por causa do vento que vinha dela. O vento lhe causava uma sensação boa de liberdade, sacudindo os poucos fios que lhe restaram na fronte. Visual bem diferente ao de duas décadas atrás, quando se permitiu (ô rapaz sisudo) cair na folia, fazendo tudo o que podia e não podia só por diversão... Inventando uma alegria.


É engraçado como o tempo cronológico não condiz, para algumas pessoas, com o seu tempo interior. Para ela era assim. Em sua alma fresca ainda ouviam-se os tambores, a folia, os risos de um tempo que, para ela, não passou. As sensações daquela festa ainda lhe arrepiavam a pele.

Noites especiais. Três dias de loucura, da qual, ainda fomenta até hoje. Loucura que tatuou o seu ventre, mamou em seu seio e recebeu o seu nome. Só o seu nome...

A louca colombina nunca mais encontrou o seu pierrô. E como encontrar alguém a quem não se sabe o nome? Ela esqueceu de perguntar.

Ele, no entanto, nunca foi dado a loucuras. A única que cometeu deixou lhe um cheiro de lança-perfume, cores de confetes e a marca de um corpo que se movia como serpentina, em câmera lenta, sobre o seu. Ainda sonha com aquelas noites. E a culpa que carrega é a falta de um nome para a sua lembrança.

No ônibus, o único lugar vago era ao lado dele. Ela sentou-se naturalmente, segurando o ferro da cabeceira do banco a sua frente para apoiar-se ao sentar, evidenciando uma grossa aliança em sua mão esquerda. Deixando claro que apesar de o tempo ter parado, para ela, dentro; a vida seguiu o seu curso e o seu próprio tempo, fora.

Para ele também sucedeu assim. Embora sonhos e lembranças vivos, sua vida morta continuava sem sentido a passos lentos... Dura, sem cheiro ou sabor.

Uma curva mais fechada os aproximou. Uma breve troca de olhares e o inevitável...
“Essa senhora? Não, não pode ser!”
“É ele! Eu sei!”

Ele não tinha coragem de olhá-la mais uma vez. Afogou sua certeza na decepção de ver uma velha lembrança velha. Não olhou para não borrar a imagem que guardava nos sonhos. Não queria apagá-la e agora, restaurá-la diferente. Distraiu-se, de novo, com a janela.

Ela também não teve coragem de olhá-lo mais uma vez. Sentiu vergonha de si mesma por tê-lo reconhecido, por considerá-lo importante e por não saber como chamá-lo... Acomodou-se na cadeira olhando fixamente para frente, tentando esquecer a peça que o destino a pregou.

Sem olhá-la, ele pediu licença, desceu do ônibus e sumiu na multidão das ruas. Ela seguiu viajem, suspirando saudade e angústia em seu tempo particular.

Jamais tornaram a se encontrar. Esforçaram-se e conseguiram esquecer aquele casual encontro. Seguiram adiante como perfeitos desconhecidos.





Adriana Kairos

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Despedida


Despedida


Preciso beijá-la.
Quero que me beijes. – respondeu, ela, de algum lugar.
Tens que me perdoar. – suplicou.
Sabes que o perdôo. – sussurrou de lá.
Sou um estúpido! – perdeu o controle.
Fui uma tola! – analisou.
O que estou dizendo? – recobrou o tino.
O que está havendo? – pressentiu o mal.
Não temos mais chances... – constatou, ele.
Nunca mais o verei. – resignou-se gélida.
Abnegando a paixão.

Ele deixou-lhe ébrios cravos serenados de lágrimas
Em sua lápide fria.
Ela deixou-lhe serenas saudades
Fustigadas nos olhos chorosos
Represados de remorsos e solidão.



Adriana Kairos

domingo, 12 de julho de 2009

Inevitável


Inevitável


Carrasco de branco com luvas de borracha
Torturas medievais sob a cadeira
"Não esqueça de usar fio dental"



Adriana Kairos

sexta-feira, 10 de julho de 2009

RELEASE - ASSASSINOS (por Jana Lauxen)


Assassinos
Por Jana Lauxen

Reunir 20 contos policiais brasileiros em 60 dias.
Esta foi a proposta que Frodo Oliveira, escritor e editor da Editora Multifoco, fez para mim em meados de janeiro de 2009.
- Topa?
- Claro. Tamos aí.
Foi o que eu respondi.
É o que costumo responder, na emoção do momento, quando me perguntam se estou dentro de algum projeto muito bacana.
Porém logo depois, quando parei para pensar melhor, gelei: será que vai dar certo?
Será que eu arrumo 20 escritores talentosos e interessantes o suficiente para compor um livro realmente bacana?
Um pouco insegura, saí na caça deles.
Procurei aqui e ali, revirei a internet de cabeça para baixo e, cá está o resultado: Hélio Jorge Cordeiro, Daniele Barizon, Tiago Barbosa, Kinho Vaz, Jana Lisboa, Ronaldo Luiz Souza, Denise Ravizzoni, Afobório, Fabrício Romano, Raphael Montes, Luiz Calcagno Fettermann, Adriana Santos Silva, Valdeci Garcia, J. Miguel, Leandro Fonseca, Josué de Oliveira Mello, André Esteves, Dante Coslei, Oscar Bessi Filho e Sergio Chaves, reunidos na coletânea de contos policiais brasileiros Assassinos S/A.
Sim, meus amigos: deu certo.
Deu muito certo, aliás.
Com o lançamento marcado para o dia 4 de julho, na sede da Editora Multifoco (Avenida Mem de Sá, 126 – Lapa, Rio de Janeiro) o livro tem, além de qualidade literária, outros ingredientes tão importantes quanto, como individualidade, contemporaneidade e, abundantemente, engenhosidade.
Não leia imaginando repaginar tudo que, num passado não tão distante, foi escrito em matéria de contos policiais.
Os 20 autores deste livro não vivem mais o romantismo dos trens e dos detetives particulares vestindo capa e de lupa nas mãos.
Os tempos são outros, os crimes são outros, os assassinos são outros e os investigadores são outros.
Falo aqui de uma bela coletânea de histórias que, sem dúvidas, retrata com aterradora clareza o universo da literatura policial dos tempos de hoje.
Prepare-se para uma leitura ferina e envolvente.
Mas antes se certifique de que aquele barulho que você escutou na cozinha é realmente impressão sua.
Porque quando os Assassinos estão por todos os lugares, nunca se sabe.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Conjugando desigualdade


Conjugando desigualdade


Nos é ensinado assim:

Eu sou a autoridade e com a minha pistola na mão digo que
Tu é vagabundo, pivete, semente do mal, fa-ve-la-do do caralho! Ele sim, tu tá veno?
Ele é trabalhador. Homem bom. Deu emprego pra muita gente ai, na eleição passada.
Nós somos cidadãos de bem. Guardiões da moral e da ordem. Não somos como vocês: baderneiros, barulhentos, dançadores de funk... Música do inferno.
“- Cabo Silva, pode levar esses merda ai tudo. São tudo bandido e acabo”.

O presente é indicativo da intolerância
Do preconceito radicado em nossa cultura
Num pretérito imperfeito da nossa história.
História que nos ensina a conjugar adjetivos
Malditos
De realidades que queremos
Mas que não sabemos
Ao certo
Como comutar
Ou não queremos... Não sei.
É que alguns de nós
Dos seres periféricos
Deixaram-se vender sem perceber
E apesar de crerem estar normativamente
Errada a forma como nos é imposto
O breviário das coisas dos nossos dias
Repetem em alta voz
O discurso alheio,
O do “cidadão de bem”;
Ainda que a estranheza dessa fala
Corroa-lhe por dentro.
O futuro do nosso presente
Apenas se tornará um simples
Presente perfeito
Composto, dentre outras coisas,
De igualdades de direitos
Quando, enfim,
Aprendermos a conjugar o verbo
Lutar!
Enquanto isso,
Qualquer divagar
Não passará mais que
Um suspirar poético de um pensar
Antigo e fresco
Do insistente querer de justiça.
Nada mais.



Adriana Kairos

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Exílio


Exílio



Sem suas mãos
Falta-me a estabilidade
Da paixão transpirada
Corrompida
Pela vastidão do amor
Negado pela burrice
Da distância

Meu travesseiro conhece
A escassez da longitude
De seus dedos.
Encharcado
Soluça comigo
Cúmplice mudo da dor.

Sem sua boca
Sinto-me sem voz
Sem motivo para o batom
Sufocada por uma canção
Omitida
Frágil segredo
Guardado para ti

Não há outra voz
Que me entorpeça
Outra qualquer
Só desalenta
Efêmera
Sadista
Plagiam a fantasia
Do desejo de ouvi-lo
Mais uma vez

Não há outro toque
Que me encante
Nem condão que me desperte
Se a tua pele tange
Meu corpo
Ávido
Desesperado
Por um veio que seja
De ti

Desamparei o orgulho
Para rogar que voltes
Abandonei a ilusão
De deslembrar-te.
Apenas uma convicção
Alenta-me
A crença de que
Também não me esqueceu.





Adriana Kairos

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Psicose


Psicose


A distância não tem ajudado
Sua imagem foi reforçada
Com a saudade
Essa é carrasco cruel
Sussurra em meus ouvidos
Sua voz
Acaricia minha pele
Como seus dedos
Mas não mata a sede
Dos meus desejos
Maldita saudade!

Vou voltar
Espere-me
Vou voltar

E enfim daremos vez
Ao amor
Porque eu te amo
E você sabe
Não acredite nesses loucos
Que me julgam sem razão
Nunca lhe fiz mal
Não é?
Apenas te amo
Malditos médicos!

Vou voltar
Não tenha medo
Vou voltar

Serás minha
Como antes foi
Mas nunca mais
Digas que não me ama
Isso me magoa
Não quero ferir-te outra vez.
Estou quase saindo daqui
Posso sentir
Viva ao amor!

Espere-me
Não tenha medo
Vou voltar.





Adriana Kairos

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Lapa



Lapa


Embriago-me da tua sede
Da força que me domina
Faço um forte
Para guardar-me
Em ti
Roubo-te o ar que respiras
Assim tenho em mim
Um pouco da vida sua
Da fúria tua
Do querer teu

Bocas em choques
Pele sob tensão
Curtos de desejos


Pesquei em copos boêmios
Palavras diferentes
Palavras em pedras raras
Para te ofertar
Encontrei algumas
Você nem viu
Nem as ouviu
Mas bebeu-me toda
Em copo de caipirinha
Pilando-me sem machucar

Cabelos em alvoroço
Pescoço
Mãos e dorso
Bailarinos
Os Arcos brilham ao luar.




Adriana Kairos

sexta-feira, 29 de maio de 2009

La Pieta


La Pieta


Sábado, fim de tarde, véspera do dia das mães.

- Oi! Cheguei!
- Pô! Tu demorô, mãe!
- Engarrafamento.
- Tu trouxe o quê pra gente comê?
- Nada. A dona Sandra não pagou a minha diária. A velha disse que não tinha dinheiro essa semana pra mim dá. Velha miserável!
- Porra, mãe! Tô com fome!
- Eu sei... Aonde você vai?
- Se liga não.
- Marcos, volta já aqui!

Sábado, fim de tarde, véspera do dia das mães.

- Alô, filho, você está aonde?
- Já estou saindo do escritório, mãe. Daqui a pouco chego em casa.
- Passou no mecânico? Já consertou este carro?
- Já, mãe! Estou saindo agora. Tchau. Até já!
- Tchau, filho. Deus te abençoe!

Sábado, fim de tarde, véspera do dia das mães.

- Amor, está confirmado o almoço, amanhã, na casa da sua mãe?
- Ah... Está! Dona Sandra faz questão de todo mundo lá.
- Você vai ficar trabalhando até que horas?
- Saio daqui a duas horas. Fique tranqüila.
- Sabe que não gosto desse “bico”, né, Jorge...
- Faço isso por nós e pela escola das crianças. Educação custa caro, meu amor.
- Ainda acho...
- Querida, até mais tarde!

... Véspera do dia das mães.

- Sinal vermelho. Ninguém merece! Tudo acontece quando estou com pressa...
- Sai, mané! Perdeu! Perdeu! Perdeu!
- Que é isso?
- Sai, porra! Perdeu!
- Valeu, valeu... Não atira!
- De costas, mané. Não olha pra trás!
- Tá... Tá...

Vruuuuuuuuuuummmmm!!!

- Polícia! Polícia!
- Moleque filho da puta! Eu vi tudo.
- Pô, cara, me ajuda.
- Tranqüilo! Sou segurança aqui da rua, mas também sou polícia. Tenho os meus contatos. Fique calmo!

- E aí?
- Tudo certo. Um parceiro acabou de me contar, por telefone, que viu um carro igualzinho ao seu na Avenida Brasil. Parece que o moleque bateu o carro. Vamos lá.
- Vamos!

- Olha lá! É o moleque e ainda está no carro.
- “Sementinha do mal!” Vamos lá.

- A casa caiu, moleque!
- Não, senhô! Que é isso, senhô! Só vim vê se não tinha ninguém ferido.
- Conta outra, filho da puta.
- Que é isso, senhô... É verdade!
- É este o moleque que levou o seu carro?
- Sei lá, cara! Não deu nem tempo de olhar para ele.
- Porra, tu tem que saber.
- Senhô, pelo amor de Deus! Eu sô inocente!
- Como era o moleque? O que você lembra?
- Sei lá... Era preto...
- Neguinho... Igual a este?
- Que é isso, tio, pelo amor de Deus! Eu tava “vendeno” bala no engarrafamento. A minha mãe não tem dinheiro. A gente tá com fome. O dono da venda dexô eu pegar fiado pra vendê ai... Que é isso, senhô...
- Moleque mentiroso do caralho! Eles sempre são inocentes... É este?!
- Sei lá... Acho que sim...
- Pelo amor de Deus, senhô!
- Então tá beleza! Agora você vai aprender, neguinho...
- Não, senhô...

Domingo. Dia das mães.

- Feliz dia das mães, mamãe!
- Que bom que você está aqui, filho.
- É mamãe, ontem, cheguei a pensar, que não comemoraria essa data com a senhora.
- Deus é bom!
- Fiquei no prejuízo com o conserto do carro e tudo mais, no entanto, estamos juntos.
- Sim, querido. Graças a Deus.

Domingo. Dia das mães.

- Que bom que vocês vieram, Jorge.
- Olá, mãe! Chegou a “turma” toda. Márcia e as crianças já estam no terraço.
- Como está no batalhão, seu trabalho?
- Tudo bem, mãe! Sabe que gosto do que faço.
- Eu te amo, filho.
- Também te amo, mãe.

Domingo. Dia das mães.

- Marcos! Marcos!
- Alguém viu o Marquinhos por ai?
- Marcos!




Adriana Kairos

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O quartinho


O quartinho



Ele ainda era o seu amor.
O único que tivera e que em segredo
Ainda desejava.
Traiçoeiro coração
Tem caminhos tortuosos.
Uma curva errada e olha aí a distancia...
Mas só percebemos quando tudo já vai tão longe...
Às vezes não dá pra voltar.
Sem saída, o jeito então é se aventurar;
Por esses novos caminhos
Onde o vento leva as migalhas de pão
Pra nos machucar.
Ferida, quis esquecê-lo.
(ele não a queria mais)
Tentou viver um dia de cada vez.
Não conseguiu.
Fez pra ele, então um quartinho.
Bem arrumadinho lá nos fundos;
Em seu coração.
E tocou a vida.
Mas quando sentia saudades...
Colocava o disco pra tocar,
Ouvia aquela música
E como encanto a porta se abria.
Ali, visitava suas lembranças.
E logo que a música acabava
Enxugava rápido a breve lágrima,
Respirava fundo
E recomeçava.
Trilhando a nova estrada que fez.
E assim passaram-se vinte anos.
O tempo não espera.
Quanto mais distante seguia em seu caminho
Mas constantes eram as visitas
Àquele quartinho.
Enfim um dia
Tomada de uma infinita saudade
E de um arrependimento das coisas
Que deveriam ter sido e não foram...
Tomada de um medo aterrador
E de uma solidão infame...
Colocou aquela música
Repetindo-a várias vezes.
Sentou-se num cantinho do quarto
Não enxugou as lágrimas.
Só chorou.
E chorou muito.
Até que cansou.
E dormiu.
Não mais acordou.




Adriana Kairos

sábado, 23 de maio de 2009

Chuvinha danada


Chuvinha danada




Chove chuva chove.
Chuvinha bem fininha.
Chove chuva chove.
Pé d’água das gotas grossas.

Quando eu era pequena
Minha mãe torcia
Por um dia de chuva,
Pra que eu parasse em casa
E enfim sossegar.

Eram, então, nesses momentos
De fingidos sossegos
Que meus pensamentos
Saiam para brincar.

Chove chuva chove.
Mamãe está a me chamar.
Chove chuva chove.
Minha imaginação não é de açúcar.


Adriana Kairos

terça-feira, 19 de maio de 2009

Asas de Ícaro


Asas de Ícaro



Meus sonhos ganharam asas
As de Ícaro lhes serviram bem
E voaram alto;
E lá do alto
De uma altitude segura
Viajavam e me sorriam
Desejos e segredos sob a cera
Que já começava a lamentar
Os segredos eram frágeis
Mas os desejos ambiciosos
De nada se importavam.
Comandavam determinados
As asas tristonhas em direção ao Sol.
Bem alto e cada vez mais longe...
Eu já não os via mais.
Mas quanto mais alto subiam
Mais chorosas ficavam as asas
Que desmanchavam sonhos
Que matavam desejos
E quebravam os segredos
Próximos a luz.
Seu lamento foi à única coisa que vi então.
Em gotas como bolinhas cintilantes
Que mais pareciam pingentes de madre pérola.
Eu as juntei do chão.
Vou derretê-las.
Reconstruí-las...
E terei asas outra vez.



Adriana Kairos

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Porfia


Porfia



Não me apaixonei por seus olhos
Cerrados
Sepultados n’algum amor alheio
Emudecido segredo
Calada magoa da rejeição

Ainda assim te quero
Pois não me apaixonei por sua voz
Sua boca leva a cicatriz do vento de uma saudade
Maldição de quem ama o inalcançável
Dor doída de distancia...

Não me importo com suas chagas
Preparei bálsamos para aliviar seu martírio
Cuidarei-te paciente
Sem nada pedir
Só para tê-lo perto.
Só para tê-lo perto...

Foram suas lágrimas
Maré tremula
Bailando as margens do brio
Delinqüentes
Culpadas do amor que sinto.

A esperança de vê-las secar
E depois tornar a vê-las cair
Mas por mim
Num ato de reconhecer-me como o amor da sua vida
Mergulhou-me num mar tranqüilo e torvo
De contentamento e loucura
E me apaixonei por você.

Amo-te tanto que dói.




Adriana Kairos

terça-feira, 5 de maio de 2009

Certezas


Certezas

Certamente que existem
Loucuras úteis
Rebeliões necessárias
Crimes permissíveis
Prisões voluntárias
Invasões bem-vindas
E porradas pedagógicas
Mas não há loucura
Sem camisa de força
Rebelião
Sem repressão
Crime
Sem preço
Prisão
Sem solidão
Invasão
Sem luta
E porrada sem dor
Mas é preciso seguir lutando
Ainda que utópica a certeza
Ainda que pareça “ireal” a convicção.






Adriana Kairos

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Tudo igual


Tudo igual



O silêncio e o seu som ensurdecedor
Na escuridão as cores mais fortes
Saem para bailar
A voz calada de um povo
A seca na transposição das águas
Velho Chico débil
Seus filhos mal instruídos
Não sabem o que fazer

A bondade cheia de más intenções
A vida enamora a morte
No sertão do meu país
“Dorme ‘calango’ do meu coração...”
Bons homens
Provedores da farinha nossa de todo dia
Foram eles
Quem o pôs para dormir


Aumentam as viúvas de maridos vivos
E os órfãos de pais distantes
Mais do mesmo
Do mesmo
Mais
Ano após ano
Tudo igual no “Maracá”
Na Paulista
Nas grandes capitais

Histórias repetidas
De seca, de fome e de morte.
Sonho de mudança nas metrópoles
Arranha-céus inatingíveis
Inalcançáveis
Sonhos plebeus
A novela repetiu-se em outro cenário.

A fome não mata o ‘calango’
O orgulho sim.
“Não vou voltar pior do que vim...”
Mais viúvas e órfãos
Mais.

Esperávamos a Reforma
O inaudito da direita
"Um dos nossos está lá!"
Gritamos confiantes
Não mais
Quem é ele?
É um dos deles?
Ou será que me engano?
Que o vermelho daquela estrela
Verteu-se rosa.
Com sutis diferenças
Acho que ainda podemos dizer
Tristemente
“Está tudo igual no Maracá...”
Na Paulista...
Nas grandes capitais...




Adriana Kairos

sábado, 11 de abril de 2009

Meio-dia na avenida


Meio-dia na avenida



Imensidão do céu
Vasto quente asfalto
Fome e malabaris diante do sinal.




Adriana Kairos

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Onírico


Onírico


Aqui dentro
É mais aprazível
Do que lá fora
Realidades inóspitas
Chamo de lar
Não aqui
Mas lá
Onde (nem) todos vêem
A cada esquina uma Etiópia
Onde se sobrevive de teimoso
Por desespero
Por misericórdia
Só me resta saber de quem?
Contudo, aqui não.
Ah... Não!
“Persistência da memória”
Dali não pintou o aqui
O meu aqui, de mundos afáveis.
Incontáveis, incontáveis, incontáveis...
E de boas fontes para beber
Onde o vento me conduz a viagens
Sem bagagens
Passaportes ou afins.
Onde o tempo derreteu-se num relógio
A vida passa em câmera lenta
“muchaca en la ventana”
Imensos jardins
Infinito anis
Licores e balas
E sonhos em cores e formas
Quase os toco
Quase os toco...
Pergunto-me se não é, aqui, o céu?
Existe o céu?
Ou só a presa que me volve
A presa de “ayer”?
A raia entre o lá e o cá
É o amanhecer
Passei a temer as luzes
Que me afastavam do insólito
Tomei remédios para dormir
Vivo, então, encantada.




Adriana Kairos

segunda-feira, 16 de março de 2009

Outra brincadeira


Outra brincadeira




O cata-vento gira
Movido pelo sussurro
Das suas palavras travessas
Sopradas aos meus ouvidos

Movimento de rotação
Verbos na roda-gigante
Amar em todas as suas conotações
Viagem no tapete mágico.

Barco de papel molhado, fui.
Naufraguei em ti
Sorrindo
Ressumando-me em ais...

Fui boneca de pano
Decorando sua cama
Fantoche articulado
Pelas linhas do seu destino.

Sina triste
A cigana adivinhou pra mim
Brinquedo de louça, sou
Em suas mãos canalhas

Diverte-se o quanto quer
Quando quer, comigo;
Depois me enfia
Em seu baú de coisas pequenas

Enfado-me
Angustio-me
Mas procuro manter-me serena

Sou feita de louça
Posso quebrar
Suas mãos jamais me restaurariam.

Aguardo sem queixas
Pela próxima vez
Que me sacará de sua caixa
São as únicas mãos que desejo.
O cata-vento gira...
Viagem no tapete mágico...
Barco de papel molhado...
Boneca de pano...
Fantoche articulado...
Mãos canalhas...
As únicas mãos que desejo.





Adriana Kairos

segunda-feira, 9 de março de 2009

Papel de enfeite e fita amassada


Papel de enfeite e fita amassada



Era um tempo que ela queria. Precisava pensar. Estava confusa. Tuas imagens povoavam sua cabeça, pesavam em seu coração cansado. Já não sabia se te amava, se te odiava. Não sabia se te matava ou se te fazia amor. Não enxergava mais as cores da paixão só via as cinzas de um futuro morto. Ela me disse.

Não entendia o que havia acontecido. Terá sido o tempo que os fizera assim? “Papel de enfeite e fita amassada” – um dia me disse. “Coisas que não guardamos; que não ficam juntas por muito tempo. Só o tempo do entusiasmo. Depois se rasga, se esquece e vai pro lixo”.

Ela perdeu-se estando a seu lado e você fugiu tomado à sua mão. Jamais se encontraram de novo.

Ela chorou por muito tempo sozinha, rios de porquês. Não queria que tivesse assim. Não sabia que o tempo lhe faria tão mal. Nunca supôs que você perderia o controle... Nem que correria daquele jeito...

As flores que hoje lhe trago são em nome dela. Que também sofreu com o tempo. Que depois de você também perdeu o controle. Não era mesmo pra ter sido assim. Mas já que foi, então...
Que descansem em paz...






Adriana Kairos

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A ladra


A ladra



“Corre!!! Vai!!!”

Gritou a cúmplice desesperada à ladra de pele morena, das pernas grossas. Que não pensou duas vezes e deixando o local do crime em disparada sentia que podia voar a sabor do vento.

Tomada de intensa adrenalina, a malandra, correu levantando poeira do chão depois de por nas mãos os chinelos que certamente lhe atrapalhariam a “performance”.

A carreira não levantou só poeira, ela também açoitou o vento, que fez sambar a sainha de chita branca, evidenciando as cochas castanhas, sonho de muito marmanjo.

Sabia que estava sendo seguida e de propósito soltou os cabelos, libertando os seus formosos cachos negros, talvez para refugiar-se neles depois da loucura que cometera.

Fora a primeira vez que cometera tal crime. O fez e não parecia arrependida. Levava nos lábios carnudos de dentes grandes um sorriso de plena satisfação pelo cumprimento do ato.

Mas insatisfeito mesmo estava a pobre vítima, um rapaz bonito, alto e bem apanhado que não se conformou de ter sido roubado daquele jeito e que após o susto, partiu em perseguição a meliante.

“Corre, corre!!!”

Contudo, já não adiantava mais gritar. O rapaz agarrou a moça e tomou de volta o beijo que lhe foi roubado.





Adriana Kairso

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Delirante


Delirante


Os esmaltes descascados evidenciados em mãos pálidas sobre o rosto, o vestido vermelho, rodado rodando sobre a cama num balé de êxtase, de loucura, de delírio, de torpor. Maquiagem borrada. Olhos negros de uma solidão profunda. Boca tremula, seca de saudade ri de desespero e desilusão. Última esperança na dança daquele palco insólito, sem platéia, sem amor.
Não bebeu nada. Só lágrimas salgadas de vazio, tormento, lamento do que nunca foi. Do que poderia ser. Do que deveria ser. Das coisas que não aconteceram, das que aconteceram sem ter sido como as que quisesse que fosse.
Tropeçou nos lençóis embolados. Caiu de uma altura incalculável mas não morreu. Frustrou-se por isso. Não era boa nem para à morte.
Sentou-se, abraçou-se aos joelhos, orou. Para quem afinal? Em nada mais cria, nada mais lhe causava medo ou terror. Só queria conversar, precisava se abrir mas não havia ouvidos por perto.
Ouvidos malditos, sempre distantes de sua voz, nunca próximos de sua boca, jamais estiveram perto em suas angústias.
Gritou. Até que lhe faltasse ar nos pulmões. Em tão alto brado clamou que acreditou ter podido mudar a ordem natural das coisas. Não o fez. Tudo o que conseguiu foi babar. Encharcar o queixo, respingar os seios, limpar-se com as mãos frias num momento breve de lucidez.
“O que foi isso?”
Deitou-se e decidiu não ouvir mais nada. Tapou os ouvidos. Vozes a invadiam, não conseguia fugir. “Tralalou” bem alto. Vozes insistentes. Pediu paz. Não foi ouvida.
De onde vinham essas vozes? De que passado? De que remorso?
Viu uma luz que vinha da fresta da porta. Clamou ajuda. Ouviu risos.
Tornou a dançar sobre a cama, rindo de si e das vozes, de si e dos risos de fora, de si e da solidão que a aplacava.
Chorou por suas lembranças. Quisera tivesse algumas melhores. Sentiu-se pequena então se pôs a chupar o dedão da mão direita e com a esquerda acarinhava o próprio rosto imaginando receber o conforto de alguém. Acalmou-se por um momento.
Do outro lado da porta o diabo lhe fez psiu e fez deslizar pela ingrata fresta da porta um papelzinho dobrado onde guardava com muito cuidado uma lâmina dessas de cortar solidão.
Sem gritos, danças ou choro. Sem angustias, lágrimas ou remorsos entendeu o que não havia escrito.
Gota a gota foi buscar paz em outro lugar.




Adriana Kairos

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Marcas


Marcas



Tinha aquele sorriso assombrando seus dias. Dia após dia. O seu já não aparecia mais, só seus olhos diziam o que a boca não conseguia. Olhos de saudades, molhados de solidão. E aquele maldito fantasma em seu coração. Lembranças. Não mais dormia tinha medo de sonhar e vê-la de novo. Queria arrancá-la do peito, mas tinha medo da falta que essa dor lhe faria. Vagava...
Certa noite estava sentado no sofá da sala invadida de lágrimas, inundada de tristeza, quando decidiu viajar.
Bebou mares ardentes, coloridos e fugiu... Mesmo lá não conseguia estar longe de seu fantasma; ao contrário, lá sentia que ela poderia ser sua outra vez. E era. Mergulhava em seus braços, deslizava em sua pele, queimava-se com seus beijos. Aquele sorriso agora parecia vivo, real, seu outra vez.
Dançaram por horas, numa valsa quase eterna, silenciosa, suave, celestial. Apenas ao som cadente das batidas de seus corações, do fôlego que teimava em faltar e dos risos que ficavam fáceis quando estavam juntos.
Começou a chorar...
O torpor acabara...
Ela não está mais aqui, e não poderá estar mais.
Nunca mais...
As lembranças ainda o assombraram por alguns longos anos, até que decidiu mais uma vez viajar. Não suportou a distância. Cortou caminhos em si. Vermelhos como o seus olhos e profundos como o seu amor. Nesse caminho, encontrou mais uma vez aquele sorriso, pôde então sorrir também. Ela então o abraçou com suas asas, ele suspirou, fechou os olhos e foi ser feliz outra vez.





Adriana Kairos

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ilusões e escolhas


Ilusões e escolhas



Há treze anos, Ana viu-se abandonada com seu rebento. Apesar de toda desgraça pré-anunciada, que a escolha de criá-lo sozinha trazia, ela o amou e prosseguiu. Mas alguém teve dó de seus tortos caminhos e foi então agraciada com um príncipe que a amava mais que a qualquer outra coisa, menos a seu passado.

Nos anos seguintes tudo ia bem... Pensava. A apaixonada Ana não conseguia (ou não queria) enxergar o duelo que travava seus dois amores, e um dia tudo explodiu. Com um olho roxo o príncipe decretou que seu passado já não poderia estar mais debaixo do mesmo teto que ele. O passado era forte demais e o acertou em cheio.

Ana vê-se de novo tão infeliz quanto no início. Não é justo perder um amor de verdade pensou, mas também não é justo abandonar, mais uma vez, alguém que só tem pagado por suas escolhas infelizes.

Na última terça-feira fez o que acreditava ser o melhor a fazer. Renunciou a seus amores e fugiu para o abandono de suas ilusões. Sua tristeza nunca mais foi vista.





Adriana Kairos

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector