quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Iara


As palavras são como crianças sapecas,
que se escondem atrás da porta quando você mais precisa delas.
E ficam de lá, te olhando tímidas e desconfiadas,
enquanto seus olhos pronunciam vocábulos molhados.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

De dentes-de-leão e de terras estranhas



De dentes-de-leão e de terras estranhas

Adriana Kairos



Só senti isso uma vez e foi quando o chão sumiu de mim. Aos poucos a terra que plantava minha vida em “Nerverland” se perdeu dos meus pés. Uma dor como a de um parto me tomou as costas e brotaram então, algo como pétalas. Pétalas voadoras saiam de mim. Não tive dúvidas, era cheiro de novo, de tudo novo, daquele tipo de aroma que só se sente uma vez. Aspirei com vontade, enchi os pulmões para guardá-lo uma eternidade. Me preparei para o salto, tomei impulso... e já não era mais dali. Neverland never more!


Giros no ar, pulos galhofados ao infinito, felicidade de bicho livre. Revoada de pássaros num campo de flores. Ventos generosos me cobriam de atenção. Estava longe demais para qualquer duvidar. Caminho sem retorno, sem parada, sem espera, estrada de luz solar.


Meu sorriso exorbitado ficou pregado no meu rosto como moldura nova de diploma antigo. Como e quanto bem fez isso a minha cara lavada...


Gotas de dentes-de-leão encharcavam minha atmosfera, enfeitavam meus cabelos, sacudiam meu vestido e deixavam em minha pele um arrepio sapeca vigiado de perto por um libidinoso tremor por entre as minhas pernas.


Meus olhos bobos enxergavam a tudo alucinados e carregados de um bocadinho de alienação, cegueira providencial, bem-vinda quando se é tomado por algo assim, lindo, vivo e delicado como pétalas de uma flor.


Isso não é coisa que se divide, mas que se deixa transbordar infinitamente sobre os que nos reconhece assim... desse jeito bobo e estranho... felizes!


Jamais pude definir esse estado de bobeira, loucura e tesão que me envolveu naquele dia e me trouxe até aqui, a Pasárgada. Contudo, é mais que felicidade o que nos causa esse estranho sentimento que nos faz tolos o suficiente para voar sem aparelhos, para dançar sem canção, cantar em silêncio só com a expressão abobalhada que nos resta nos olhos e sonhar... antes mesmo que nos descanse a terra nos olhos. Ele nos toma sem pestanejar.

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector