
Metalingüísticamente penando
Todas as vezes que penso em escrever algo me surpreendo com a minha impossibilidade de fazê-lo. Não sei, mas penso que tudo o que eu queria dizer já foi dito, contudo, não foi escrito; ficou pr’eu escrever. No entanto, me sinto muito presunçosa por isso e silencio na página branca iluminada do meu computador. Ela não ilumina as minhas idéias, nem tampouco me apresenta novidades, só a imagens que já conheço. E me espanto no emudecer dos meus dedos por não poder descrevê-las melhor.
Acho que vou enlouquecer. Todas as coisas me surpreendem, porém nada mais me choca. Sinto muito medo disso. Apavoro-me ao perceber que o cotidiano tornou-se comum e que seus personagens são apenas mais alguns personagens baratos de uma historinha qualquer. Tento procurar neles o novo, mas só encontro o velho em nova edição. É como se o medo, a fome, a violência e a dor ganhassem capas novas a cada novo número.
E os números?... Meu Deus, os números... Nem eles me roubam mais palavras, só letras rasuradas aqui ou ali. Só não me calo porque não é do meu feitio. Em mudas palavras, ou melhor, em mudas letras grito sons de esperança. Em mim, fervilham vozes jamais ou poucas vezes ouvidas, que vou borrando sobre o papel, ou diante da tela fria. Vozes em espera. Fé (quase inabalável) de que algo vai mudar. E é por essa esperança que muitos bebem; que muitos choram; que uns rezam e outros oram: “vai tudo melhorar”.
Enquanto isso, o poeta sofre com a mudez de sua poesia, com a fuga das palavras e a palidez das folhas vazias. Fugaz é a poesia ante a bala perdida, ante a timidez da mão pequena esmolando “algum”, clamando comida, implorando... Implorando. Sublime é a letra que fotografa e revela as vidas perdidas que os olhos não veem. É por isso que, todas as vezes que penso em escrever algo me surpreendo com a minha impossibilidade de fazê-lo...
Adriana Kairos