sexta-feira, 9 de julho de 2010

No charco


No charco


Estava mergulhada em um charco de sentimentos bem familiares. Cheiravam mal, mas não os culpava, esse odor vinha do seu íntimo. Estava plena de uma demasiada tristeza. Não sabia se conseguiria libertar-se. Tão pouco se queria. Pois todas as vezes que se cobrira de flores, cheirando como a primavera; logo tropeçava nessa poça, nessa lama. Se fora empurrada ou se caia sozinha isso já não importava. Acostumou-se com o frio, com os gritos, com o horror.

Sob esse charco denso de pustulentas chagas dançava com a loucura, a linda dama em traje de festa. Dançavam sob a luz da lua de rosto colado, rindo de si mesma, sem discernir-se. Admirando sua sombria valsa através dos espelhos do grande salão da sua alma.

Enquanto dançava, encontrou seu lado negro num canto escuro de uma dessas noites. Sentiu medo, mas não correu. Fascinou-se ao ver em seus olhos negros, tão profundos, sentimentos avessos aos daquelas pessoas que a rodeavam, trazendo olhos imensamente vazios. Tentando convencer-lhe de que se importavam. Ela não os acreditava.

Passou a ver a morte e a dúvida caminhando de mãos dadas em direção às flores negras que brotavam maravilhosas em um canteiro sórdido, junto a seus olhos. Eram botões extraordinários que desabrochavam no breu sob uma carregada chuva de um vermelho vivo... Adormeceu.

Quando acordou, aqueles dos olhos imensamente vazios, levaram-na a ter com um ser de uniforme alvo, que cuidou de seus regadores com ataduras brancas. Deu-lhe algo de beber e algumas pastilhas ruins. Vestiu-a também com um casaco de longas mangas. Talvez quisesse protegê-la do frio que havia em si.

Agasalhada, mas tremendo. Sentou-se a beira daquele charco, num canto qualquer de uma sala desconhecida, próxima a uma janela. De onde passou a admirar, sem conseguir entender, a rua e as pessoas que incrivelmente escapavam de suas poças.





Adriana Kairos

3 comentários:

Rafaela Dutra disse...

[...] Agasalhada, mas tremendo. Sentou-se a beira daquele charco, num canto qualquer de uma sala desconhecida, próxima a uma janela. De onde passou a admirar, sem conseguir entender, a rua e as pessoas que incrivelmente escapavam de suas poças.

Nossa só vc msm p/ expressar tanto em tão poucas linhas.
Lindo como sempre.
bjo minha queridona!

Paulo Rogério disse...

Misteriosa poesia!
O ressurgir da vida dos ambientes mais imprevisíveis sempre há que ser louvado!
Beijo, Adriana!

Anônimo disse...

O conteúdo imagético é impressionante te faz ver todas as intensas imagens após a leitura varias veres te perseguindo(rs rs)coisa rara!!!!

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector