quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A puta que pariu


A puta que pariu


Esqueceu-se
Em meio copo d’água sobre a mesa
Quando um choro estridente
Manhoso
Tirou-lhe a sede
Dando lhe só a certeza do dever de estar lá
Acudindo ao que chora
Ninando o que lhe pede
Sua coragem como alimento.

Esqueceu-se
Em desalinhados cabelos
Quando num banho rápido
Passou batido o condicionador
“Pois não há tempo para tal futilidade”
Atrasada para a reunião de pais
Folhinhas de papel rabiscadas
Valem mais que qualquer Monet.
Arte arquivada em envelope pardo
Revistada, sempre, a cada saudade.

Esqueceu-se
Em noites longas de ansiedade
Mal dormidas
“Coisas da idade”
Segurando cabeças
Nos primeiros porres.
Esqueceu-se
No tempo
No vento
Na vida que viveu
Por eles.

De tanto esquecer-se
Foi esquecida
Anos depois,
Em uma casa de repouso
Aguardando a visita que não vem
Lendo cartas antigas com fingidas saudades
Dos filhos dos filhos que pariu
Molhando o rosto com indagações irracionais
Pois, em nada errou a velha puta.
A não ser em amar demais.





Adrinana Kairos

7 comentários:

Marcelo :. disse...

Acredito que seja desta forma que pensam os esquecidos que não esquecem. Nestes casos, melhor seria esquecer que ter memória.
Linda demais !

Leandro Noronha da Fonseca disse...

às vezes dói ter memórias... lindo texto, adri! beijão!

Tatiana disse...

Bom dia !!!

adorei , o texto !!!!!

bjussss

Rodrigo M. Freire disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rodrigo M. Freire disse...

Gostei muito da objetividade que li no texto.
Da expressão que não poderia ser outra, de choque na Puta que pariu, sem ser denotativamente puta.

Crítica dos descuidados.

Um abrir os olhos, um pesar de novo os atos que nos afogam se esquecendo de nós.

Um evitar o remorso no possível asilo futuro, evitando o asilo de si mesmo.

Atina as mães: não se vendam pelos filhos, não faz bem para vcs nem para eles!

Unknown disse...

Sem querer, Adriana, me fez lembrar de um amado ente querido, que não pariu, mas fez parir uma puta que sem pensar na merda que fez, o fez morrer numa cama fria, de um azilo frio, fincado num lugar onde não quero ver morrer nem mesmo esta puta parida. Que sempre sirva de lição a cada vez que alguém ousar pensar em desabonar, de qualquer forma que seja, a "puta que lhes pariu!".

Lóh Diniz disse...

Olá Adriana, muito bom seu blog, vim conhecer e agradecer pela visita no recanto. Me sinto honrada de uma escritora como você apreciar meus textos. Muito obrigada pela visita, vejo que tem um contato grande com meu pai(JICA). Muito bom, ele é um grande homem, amigo, irmão, pai. Um grande beijo, visitarei você mais vezes, acredite.

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector