sexta-feira, 29 de maio de 2009

La Pieta


La Pieta


Sábado, fim de tarde, véspera do dia das mães.

- Oi! Cheguei!
- Pô! Tu demorô, mãe!
- Engarrafamento.
- Tu trouxe o quê pra gente comê?
- Nada. A dona Sandra não pagou a minha diária. A velha disse que não tinha dinheiro essa semana pra mim dá. Velha miserável!
- Porra, mãe! Tô com fome!
- Eu sei... Aonde você vai?
- Se liga não.
- Marcos, volta já aqui!

Sábado, fim de tarde, véspera do dia das mães.

- Alô, filho, você está aonde?
- Já estou saindo do escritório, mãe. Daqui a pouco chego em casa.
- Passou no mecânico? Já consertou este carro?
- Já, mãe! Estou saindo agora. Tchau. Até já!
- Tchau, filho. Deus te abençoe!

Sábado, fim de tarde, véspera do dia das mães.

- Amor, está confirmado o almoço, amanhã, na casa da sua mãe?
- Ah... Está! Dona Sandra faz questão de todo mundo lá.
- Você vai ficar trabalhando até que horas?
- Saio daqui a duas horas. Fique tranqüila.
- Sabe que não gosto desse “bico”, né, Jorge...
- Faço isso por nós e pela escola das crianças. Educação custa caro, meu amor.
- Ainda acho...
- Querida, até mais tarde!

... Véspera do dia das mães.

- Sinal vermelho. Ninguém merece! Tudo acontece quando estou com pressa...
- Sai, mané! Perdeu! Perdeu! Perdeu!
- Que é isso?
- Sai, porra! Perdeu!
- Valeu, valeu... Não atira!
- De costas, mané. Não olha pra trás!
- Tá... Tá...

Vruuuuuuuuuuummmmm!!!

- Polícia! Polícia!
- Moleque filho da puta! Eu vi tudo.
- Pô, cara, me ajuda.
- Tranqüilo! Sou segurança aqui da rua, mas também sou polícia. Tenho os meus contatos. Fique calmo!

- E aí?
- Tudo certo. Um parceiro acabou de me contar, por telefone, que viu um carro igualzinho ao seu na Avenida Brasil. Parece que o moleque bateu o carro. Vamos lá.
- Vamos!

- Olha lá! É o moleque e ainda está no carro.
- “Sementinha do mal!” Vamos lá.

- A casa caiu, moleque!
- Não, senhô! Que é isso, senhô! Só vim vê se não tinha ninguém ferido.
- Conta outra, filho da puta.
- Que é isso, senhô... É verdade!
- É este o moleque que levou o seu carro?
- Sei lá, cara! Não deu nem tempo de olhar para ele.
- Porra, tu tem que saber.
- Senhô, pelo amor de Deus! Eu sô inocente!
- Como era o moleque? O que você lembra?
- Sei lá... Era preto...
- Neguinho... Igual a este?
- Que é isso, tio, pelo amor de Deus! Eu tava “vendeno” bala no engarrafamento. A minha mãe não tem dinheiro. A gente tá com fome. O dono da venda dexô eu pegar fiado pra vendê ai... Que é isso, senhô...
- Moleque mentiroso do caralho! Eles sempre são inocentes... É este?!
- Sei lá... Acho que sim...
- Pelo amor de Deus, senhô!
- Então tá beleza! Agora você vai aprender, neguinho...
- Não, senhô...

Domingo. Dia das mães.

- Feliz dia das mães, mamãe!
- Que bom que você está aqui, filho.
- É mamãe, ontem, cheguei a pensar, que não comemoraria essa data com a senhora.
- Deus é bom!
- Fiquei no prejuízo com o conserto do carro e tudo mais, no entanto, estamos juntos.
- Sim, querido. Graças a Deus.

Domingo. Dia das mães.

- Que bom que vocês vieram, Jorge.
- Olá, mãe! Chegou a “turma” toda. Márcia e as crianças já estam no terraço.
- Como está no batalhão, seu trabalho?
- Tudo bem, mãe! Sabe que gosto do que faço.
- Eu te amo, filho.
- Também te amo, mãe.

Domingo. Dia das mães.

- Marcos! Marcos!
- Alguém viu o Marquinhos por ai?
- Marcos!




Adriana Kairos

2 comentários:

Paulo Rogério disse...

A foto diz tudo. Infelizmente, a cor da pele neste país, que institui cotas, ainda continua sendo o primeiro indício de criminalidade, ou aquele que cola mais fácil, quando não há interesse em dotar a investigação do devido grau de cientificidade. Parabéns, você tem uma história de vida que lhe dá autoridade certa para discorrer sobre o tema. E parabéns também pelo selo vejablog.

Crisblue.... disse...

Nossa ...
Que dizer de sua escrita tão real....
Que dizer, quando se acha ótimo instituir cotas para negros...Será que já não basta tudo que o colorido numa pele pode fazer para um ser humano...Obrigada por me fazer pensar sobre este assunto, com um outro olhar!!!

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector