terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O anjo de Ana


O anjo de Ana



Quando Ana morreu fazia sol. O inverno às vezes é ensolarado no Rio, mas ela sentia frio. Enquanto morria ouviu um choro e viu o rosto de um anjo. Era estranho e bonito também. A vida e a morte, o real e o lúdico na mesma sala... Naquele rosto...

E a moça continuou adiante, no destino errado que fez pra si. O anjo agora seguia com ela. E o via crescer mais lindo a cada primavera. Mas era um anjo teimoso. Acintoso."Sabia de tudo". Sabia demais. Não aceitava conselhos, não gostava de sermões.

Certo dia, durante mais uma de suas pelejas diárias, Ana olhou nos olhos do anjo e se surpreendeu... Ela estava lá. Não o seu reflexo, mas ela... Em outro corpo, em outro tempo...

E durante alguns segundos, viu cirandar nas meninas dos olhos dele a sua vida inteirinha: seus sonhos, seus anseios e projetos. Tudo o que ficou para traz, submerso sob um mar de desengano, emergia agora numa explosão de emoções.

Algo assim tão forte a fez acordar e ouvir em outra voz suas velhas palavras, a identificar seus antigos pensamentos. De novo viu-se naqueles espelhos vivos, ou parte de si que pensara ter morrido, que julgara haverem matado.

Pôde então, entendê-lo. Na hora em que se encontrou, conheceu a alma do seu anjo... Na hora em que olhou em seus olhos percebeu que ressuscitara.

Ana considerou suas pirraças e o amou ainda mais. E apesar de não saber o quê, ele também percebeu que algo havia acontecido. E fitando fixo os olhos um do outro, se reconheceram, se abraçaram e não brigaram mais. Nunca mais.





Adriana Kairos

Um comentário:

Marcelo :. disse...

Foi um bom momento para reflexão, ler o anjo de Ana. Muito bom!

"Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconscientes, eu antes não sabia que sabia."

Clarice Lispector